‘Reduzir a inflação não é difícil; duro é mantê-la baixa’
O bancos centrais do Brasil e dos EUA enfrentam hoje desafios muitos semelhantes para conduzir a política monetária. Em ambos os países, as expectativas de inflação estão desancoradas, a atividade econômica e o mercado de trabalho estão aquecidos e as indicações são de que a inflação não converge para a meta, disse o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
É possível traçar um paralelo entre o quadro atual dos indicadores da economia dos EUA e do Brasil?
Os bancos centrais dos dois países enfrentam desafios muito semelhantes. A desinflação está acontecendo tanto nos EUA quanto aqui, mas grande parte disso tem a ver com a reversão dos choques. A inflação da pandemia não foi só fruto de choques. Houve estímulos de política econômica também, tanto fiscal quanto monetária. Estímulos de demanda levam a inflação para cima, e isso produz inércia, afeta expectativas e há efeitos de contágio. Grande parte dos efeitos dos choques foi revertida. Está faltando agora a famosa “última milha”. Vencer essa etapa está se mostrando mais difícil do que muita gente esperava.
Qual é o quadro no Brasil?
Da mesma maneira que os relatórios de inflação nos Estados Unidos não estão dando confiança de que a inflação está convergindo para a meta, no Brasil acontece a mesma coisa. Usando a média móvel de três trimestres, os preços livres estão subindo ao ritmo de 6% ao ano, os subjacentes estão subindo 5,70%. A média dos núcleos não está tão alta, mas se elevou um pouquinho recentemente, e está em 4%. Então, não são números confortáveis.
Por quê?
Primeiro, pelas incertezas no lado fiscal. Ainda não temos confiança plena de que as contas públicas estarão bem equilibradas lá na frente. Outro ponto é a incerteza relacionada com a troca de comando do Banco Central no fim do ano. Não estou entrando no mérito sobre as qualificações dos indivíduos. Mas os analistas de mercado não têm segurança sobre a continuidade da política monetária. Essa é a grande questão do momento. Eu estou convencido de que os dirigentes atuais do BC concordam plenamente com o princípio do Volcker (Paul Volcker), dito décadas atrás, e que, para os dias de hoje, tem uma importância enorme.
Qual é esse princípio?
Segundo Volcker, reduzir a inflação não é o mais difícil; o duro é mantê-la baixa. Esse é o ponto fundamental.
FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20240321/page/25/textview