Justiça Federal tem interpretações diferentes sobre regra tributária

Pelo menos 5 empresas questionaram norma na Justiça; magistrados não têm entendimento unânime até agora

Norma criada por medida provisória, e que atinge 495 empresas, limita quanto as companhias podem usar em crédito tributário que obtiveram em ações judiciais contra a União.

A mais recente medida arrecadatória lançada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atinge 495 empresas do País, é alvo de uma série de ações na Justiça Federal. Os processos, segundo apurou o Estadão, dividem o Judiciário, ampliando a controvérsia sobre o tema e inflando o trilionário contencioso tributário.

Os questionamentos são feitos por grandes empresas, que se sentem lesadas pela limitação imposta pelo governo à compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais definitivas – ou seja, para as quais não cabem mais recursos.

Ao menos cinco decisões já foram publicadas sobre o assunto: duas favoráveis às empresas (envolvendo Pernambucanas e Seara), duas contrárias (movidas pela Lojas Colombo e pela Valgroup) e uma que atende parcialmente aos pleitos, caso da multinacional Nestlé.

No total, quatro dessas cinco empresas alegam possuir R$ 941,1 milhões em créditos pendentes de compensação, a maior parte ligada à chamada “tese do século” – julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que excluiu o ICMS, principal imposto estadual, da base de cálculo do PIS e da Cofins, duas contribuições federais. A Seara não informou na ação o saldo pendente.

As empresas solicitam compensações tributárias judiciais quando vencem o governo federal em processos que tramitam na Justiça. Funciona como uma espécie de encontro de contas: as companhias ganham o direito de usar os tributos pagos indevidamente como “crédito” para abater de impostos que ainda têm a pagar ao Fisco.

No fim de 2023, porém, o governo mudou essa legislação por meio de uma medida provisória (MP), com o objetivo de elevar o potencial de arrecadação da União e dar maior previsibilidade a essas operações.

A MP determina que as conciliações de alto valor – acima de R$ 10 milhões – passem a ser realizadas em um período mínimo de 12 a 60 meses, a depender do montante envolvido. Com essa mudança, as empresas demorarão mais para usar os créditos, o que terá impacto no resultado fiscal do governo.

Neste ano, quando a equipe econômica se comprometeu com a meta de déficit zero, a Receita Federal calcula que haverá um incremento de R$ 24 bilhões aos cofres públicos decorrente da nova regra. Como se trata de MP, o texto já está em vigor, mas terá de ser chancelado pelo Congresso Nacional em um período de 120 dias. Caso contrário, perderá a validade.

RESPOSTA. Procurada, a Seara afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto. Pernambucanas, Lojas Colombo, Valgroup e Nestlé não se posicionaram. Ministério da Fazenda, Receita e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também não falaram. •

Pendência

Quatro grandes empresas alegaram ao Judiciário que têm R$ 941,1 milhões em créditos tributários

JUSTIÇA FEDERAL CONCEDE DECISÕES DIFERENTES SOBRE NOVA REGRA FISCAL.

A restrição às compensações tributárias de empresas imposta pelo governo por meio de uma medida provisória (MP) do fim do ano passado tem dividido o Judiciário, que já expediu ao menos cinco decisões sobre o tema.

Uma delas diz respeito à Seara, subsidiária de aves e suínos da JBS. No fim de fevereiro, a empresa conseguiu uma liminar (decisão provisória) afastando os efeitos da MP do governo. Na decisão, a juíza Tatiana Pattaro Pereira, da 14.ª Vara Cível Federal de São Paulo, alegou que a nova regra contraria o princípio da reserva legal, que exige que determinadas matérias sejam submetidas ao Poder Legislativo.

Segundo a magistrada, a MP “outorga ao ministro da Fazenda o poder de fixar o limite mensal para a compensação dos créditos, enquanto tal matéria somente poderia ser tratada por lei”.

‘PREJUÍZO’. A varejista Pernambucanas também obteve decisão favorável sobre o assunto, com a concessão de liminar pelo juiz Marcelo Guerra Martins, da 13.ª Vara Cível Federal de São Paulo. O magistrado considerou que a MP viola “tanto o direito adquirido do contribuinte quanto a própria coisa julgada”, dois elementos previstos na Constituição.

Em síntese, ele determina que a compensação tributária deve ser executada pelo Fisco com base nas normas em vigor quando da distribuição da demanda, e que aceitar a nova sistemática imposta pelo governo seria “admitir a retroatividade da lei em prejuízo do contribuinte”. Na ação, a empresa alega que possui saldo remanescente de créditos no valor de R$ 337 milhões.

A Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, também acionou a Justiça, mas foi atendida apenas parcialmente. A juíza Marina Gimenez Butkeraitis, da 9.ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a multinacional poderá compensar os créditos apenas nos casos em que as decisões tenham determinado o regime jurídico a ser aplicado no momento do encontro de contas. No processo, a Nestlé afirma que possui ao menos R$ 453,5 milhões em créditos pendentes de compensação com o Fisco.

A Lojas Colombo e a indústria de plásticos Valgroup, por sua vez, tiveram as solicitações rejeitadas pelo Poder Judiciário. No caso da Colombo, a juíza Denise Schwanck, da 2.ª Vara Federal de Uruguaiana (RS), afirmou que o pleito da empresa “é eminentemente patrimonial e desprovido da urgência necessária” à concessão de liminar. Na ação, a companhia alegou ter R$ 118 milhões de créditos a serem compensados.

Já no caso da Valgroup, o juiz Luis Gustavo Bregalda Neves, da 2.ª Vara Cível Federal de São Paulo, destacou que a decisão do STF referente aos precatórios – que determinou que o governo não poderia protelar o pagamento dessas ações – não se aplicava ao processo em questão.

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo – 27.03.2024