A crise e o metalúrgico

A crise e o metalúrgico

O metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva poderia estar encrencado, hoje, se ainda precisasse de um emprego industrial. A indústria fechará 2023 com mais um desempenho pífio, produção 0,8% maior que a do ano passado, segundo a nova estimativa do Ministério da Fazenda. Essa projeção supera a de abril (0,5%), mas é bem inferior aos números calculados para os serviços (1,7%) e para a agropecuária (13,2%). O agro tem sido, por vários anos, o setor mais dinâmico da economia brasileira e a fonte mais segura de superávit comercial. É excelente – e invejável, obviamente – dispor de uma grande e competitiva produção de alimentos e de matérias-primas agropecuárias. Mas isso de nenhum modo compensa a degradação de um setor industrial construído em décadas de muito esforço político e de muito investimento.

O governo continua devendo o prometido programa de “neoindustrialização”, até agora materializado apenas em financiamentos oferecidos pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esses financiamentos serão destinados, segundo se anunciou, principalmente a projetos de modernização da indústria. Mas falta definir o sentido e o alcance dessa transformação, assim como os papéis do governo e do setor privado.

Essa política envolverá, supostamente, investimentos em tecnologia, formação de capital humano, decisões sobre inserção da indústria no mercado global e iniciativas sobre atração e destinação de capital estrangeiro. Pouco se divulgou sobre esses e outros detalhes estratégicos. Nem mesmo está claro se o programa industrial foi discutido de forma suficiente, em Brasília.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem-se manifestado principalmente sobre questões fiscais e sobre as condições gerais da economia. De vez em quando, reclama dos juros altos e cobra uma política monetária menos apertada. Juros mais baixos poderiam, provavelmente, facilitar a aceleração dos negócios. Mas, além de politicamente inadequada, qualquer manobra para subordinar o Banco Central (BC) aos interesses da Presidência da República pode ser muito perigosa. A indicação de dois funcionários do Executivo para integrar a diretoria do BC é preocupante para quem tem alguma familiaridade com a história econômica.

A redução dos juros básicos será provavelmente iniciada em agosto, na próxima reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. A inflação tem caído e isso poderá justificar um barateamento do crédito. O alcance da redução dependerá, naturalmente, de uma avaliação de como os preços deverão evoluir no futuro próximo, talvez nos dois anos seguintes. O Copom decide, normalmente, considerando suas projeções e também as expectativas dos agentes econômicos. A experiência recente é apenas um dos fatores levados em conta nas decisões sobre o custo do dinheiro.

O ministro da Fazenda e seus companheiros de governo fariam melhor uso de seu tempo se cuidassem mais das grandes linhas de reconstrução da economia do País. Se a inflação evoluir de modo favorável, os juros deverão acomodar-se em níveis mais baixos e isso facilitará o trabalho. Mas nem só de juros baixos dependem o crescimento e a modernização do sistema produtivo. A fixação de prioridades políticas e o planejamento são essenciais, mesmo quando os governantes pretendam intervir nos negócios com cautela e moderação.

Qualquer iniciativa importante para a reindustrialização dependerá de um diagnóstico da situação atual e, provavelmente, de uma análise das causas da longa crise industrial. Pelos últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial cresceu 0,3% em maio, sem conseguir, portanto, compensar a perda de 0,6% registrada em abril. Em 12 meses o crescimento foi nulo e em maio o volume produzido foi 1,5% inferior ao de fevereiro de 2020, na fase pré-pandemia. Foi, além disso, 18,1% menor que o recorde alcançado em maio de 2011. Depois desse recorde a trajetória foi declinante, com algumas oscilações. Não pode haver dúvida, a partir desses dados, sobre tendência de degradação, especialmente da indústria de transformação, com desempenho bem pior que os da construção e da mineração.

Nesse longo período, é importante notar, houve fases de juros elevados e também de juros muito baixos. Não há, portanto, como atribuir a longa decadência do setor industrial apenas ao custo do financiamento, até porque o BNDES proporcionou, sempre, crédito em condições muito favoráveis. É muito mais justificável atribuir a longa crise setorial a outros fatores, como o protecionismo excessivo, a escassa integração nas cadeias globais de negócios, o pouco estímulo à modernização e ao ganho de eficiência, os estímulos fiscais e financeiros mal programados e erros desastrosos como a escolha de campeões nacionais. Uma análise mais detalhada poderia indicar outros fatores, mas esses dão uma ideia da gravidade dos erros acumulados. Alguns desses erros têm o carimbo petista – um respeitável motivo para uma ação reparadora e inovadora do atual governo do PT.

FONTE: https://www.estadao.com.br/opiniao/rolf-kuntz/a-crise-e-o-metalurgico/

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