“Industrializados tendem a ter imposto reduzido; o de serviços, subiria”

“Industrializados tendem a ter imposto reduzido; o de serviços, subiria”

“O cashback, sim, poderia incentivar o consumo maior da população de renda menor. Tivemos a oportunidade de fazer uma revolução em termos tributários, com distribuição de renda e ganho para o setor produtivo, mas não fizemos”

Especialista em International Tax Planning pela Leiden University (Holanda) e consultor externo do Banco Mundial

Areforma tributária deve reduzir a carga de impostos sobre grande parte dos produtos industrializados, como eletrônicos, roupas e calçados. Esses produtos são a maioria em uma tabela de 364 itens compartilhada com o Estadão pelo advogado e economista Eduardo Fleury, doutor em Ciência da Tributação pela Universidade da Flórida (EUA), com especialização em Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Na tabela, esses três produtos têm uma diminuição de preços que vai de 12,39% a 26,84%.

O estudo, que também compara produtos com isenção (cesta básica) e redução (remédios), avalia a tributação em toda a cadeia produtiva e compara a soma das alíquotas atuais de PIS, Cofins, ISS, ICMS e IPI com a taxa prevista hoje para o IVA, de 26,9% – porcentual que já inclui o impacto da inclusão da carne na cesta básica com isenção de impostos. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como foram calculados os dados do estudo que mostram queda de preços em vários produtos, entre eletrônicos, roupas e calçados, com o IVA?

Usei a lista de produtos da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, para fazer uma estimativa dos tributos diretos de cada um deles, que são PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI, os que serão atingidos pela reforma tributária. Não é o imposto que aparece, por exemplo, na nota fiscal do produto adquirido no supermercado, pois, na verdade, o custo dele está contaminado por tributos que foram cobrados nas etapas anteriores da produção. Não é só o tributo pago pelo varejista, mas também pelo fabricante e pelo distribuidor, ou seja, da cadeia econômica inteira. A lista foi feita com base no que chamo de ICMS São Paulo, porque a alíquota pode ser diferente em outros Estados. Os demais impostos são gerais.

Para o cálculo, o sr. utilizou como base a alíquota de referência aprovada no Congresso, de 26,5%?

Existe um pressuposto na reforma de que, se for reduzido o imposto de um produto, tem de aumentar a alíquota geral, pois a ideia é que se tenha uma alíquota única para todos os produtos. Significa que, ao reduzir o imposto de um produto, é preciso compensar com o aumento de outro para não diminuir a arrecadação. Como foi incluída a isenção para a carne, que passou a fazer parte da cesta básica, trabalhei com a estimativa de um IVA de 26,9% para que o governo possa manter a arrecadação atual.

Cite, por favor, um exemplo de redução de preços que está na lista.

Quando faço a conta, por exemplo, de um produto eletrônico que tem carga tributária atual de 40,28% e aplico a alíquota de 26,9%, o preço desse produto vai variar para baixo em 26,84%, isso levando em conta que a empresa vai manter a mesma margem de lucro. Para um agasalho masculino ou feminino, com carga de 30,48%, a redução no preço será de 12,39% porque o imposto será menor.

Todos os produtos industriais terão os preços reduzidos?

Não necessariamente, mas a maioria dos produtos industrializados tende a ter redução. No caso de alguns alimentícios, haverá redução porque terão alíquota zero.

Esse é o lado bom da reforma, mas e o lado ruim? Quais produtos vão aumentar de preço?

Principalmente os serviços, que hoje são menos tributados. Embora haverá redução de alíquotas, eles devem ficar um pouco mais caros. Alguns produtos alimentícios mais sofisticados, como lagosta, também vão ter aumento de preço, assim como a locação de imóveis e os produtos que estão na lista do chamado “imposto do pecado” (Imposto Seletivo), que devem ter alíquotas maiores. Mas isso também vai depender do local onde o produto é fabricado.

Com tanto lobby no Congresso, é possível que mudanças ocorram no Senado e que a alíquota-base aumente ainda mais? Há projeções indicando que chegaria a 27,3% só com as últimas alterações.

Sempre existe o risco. E, se a alíquota for maior do que os 26,9% previstos no cálculo da lista de produtos, a redução de preços será menor. Eu acho, porém, que muitas demandas já foram atendidas, e que pode inclusive ocorrer a redução de alguns benefícios que foram incluídos em relação à emenda constitucional. E, um detalhe, estamos falando de um projeto de lei complementar que volta para a Câmara, onde pode ser revertida alguma mudança mais radical feita no Senado. Existe também o que chamamos de regimes específicos, que ainda não estão totalmente definidos e que podem ter alíquotas diferentes. Se algum produto for retirado do “imposto do pecado”, vai ser preciso aumentar a alíquota para compensar a arrecadação.

Como o sr. avalia a isenção da alíquota para a carne?

Nesse caso, acredito que não beneficia os mais pobres, e, sim, os mais ricos, porque é essa classe de renda mais alta que consome mais carne. Significa que os 10% mais ricos vão receber mais dinheiro do governo do que os 10% mais pobres, pois vão absorver a maior parte da receita que deixará de ser arrecadada.

Qual seria a alternativa?

Creio que seria mais eficiente ter o cashback (devolução de parte dos impostos), pois devolveria o dinheiro só para quem precisa. Não faz sentido que os mais ricos, que já compram mais carne – e de melhor qualidade –, paguem menos por ela. Dessa forma, o governo vai gastar mais com essa população mais rica do que com a mais pobre. Colocar a carne na cesta básica com o argumento de dar acesso ao consumo para os mais pobres é totalmente falho. Acho que esse foi um lobby malfeito da indústria alimentícia porque não vai gerar mais consumo. O cashback, sim, poderia incentivar o consumo maior da população de renda menor. Tivemos a oportunidade de fazer uma revolução em termos tributários, com distribuição de renda e ganho para o setor produtivo, mas não fizemos.

Qual o limite de taxa para o IVA para que as novas alíquotas não fiquem iguais ou superiores às atuais?

O total que se paga de imposto, olhando a sociedade como um todo, vai permanecer o mesmo, o que existe é uma redistribuição. Então, se mais produtos forem incluídos na cesta básica com alíquota zero, por exemplo, vai ser preciso aumentar a alíquota de outros produtos.

FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20240818/page/36/textview