Trump abre guerra comercial contra o mundo; Brasil terá menor taxa, 10%

Pacote antiliberal dos EUA impõe à China tarifa de 34% e à Europa, 20%
Em decisão que escala a guerra comercial deflagrada desde a sua volta à Casa Branca e pode desmantelar a ordem econômica global das últimas décadas, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou imposição de tarifas a todos os parceiros comerciais dos americanos. O tarifaço estabelece sobretaxa mínima geral de 10%, que será aplicada aos produtos brasileiros vendidos aos EUA – estar na faixa de países menos atingidos gerou alívio no mercado nacional. As taxas serão maiores para China (34%), Japão (24%) e União Europeia (20%). Trump disse que poderá aumentar taxas, caso haja revide. O governo Lula conta com a Lei da Reciprocidade, aprovada ontem pela Câmara, e espera unir setor privado, governadores e Congresso na reação a Trump.
No que foi batizado de “Dia da Libertação”, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ontem a imposição de tarifas que ele considera recíprocas sobre produtos comprados de todos os outros países. O pacote estabelece uma sobretaxa mínima geral de 10%, mas foram estabelecidos também porcentuais individualizados, com valores que chegam, por exemplo, a 34% sobre a China; 30% no caso da África do Sul; 24% do Japão; e 20% da Europa. Os produtos brasileiros entraram na faixa mínima de 10%, figurando em lista que inclui também países como Arábia Saudita, Argentina e Chile.
Trump rejeitou o alerta de analistas de que as tarifas poderão prejudicar a própria economia americana, com o risco de provocar o aumento da inflação interna, e desencadear uma guerra comercial, desmantelando um sistema comercial global que os EUA ajudaram a construir nas últimas décadas.
“Estamos sendo muito gentis. Vamos cobrar aproximadamente metade daquilo que eles nos cobram”, disse o presidente americano, em evento organizado nos jardins da Casa Branca. Trump levou para o anúncio um cartaz com a indicação da taxa supostamente cobrada hoje por diversos países na importação de produtos americanos e o porcentual que os EUA vão passar a adotar no comércio com cada um desses países. As novas tarifas vão entrar em vigor entre o sábado e a próxima quarta-feira.
Ele acusa seus parceiros comerciais de prejudicarem os
EUA por décadas, dizendo que eles se engajaram em práticas comerciais desleais para roubar a riqueza do país e enriquecer suas próprias economias. Nesse processo, ele voltou sua atenção não apenas para adversários como a China, mas também para aliados tradicionais como o Canadá e a Europa.
Ao erguer uma barreira tarifária ao redor da maior economia do mundo, Trump provocou a reação dos parceiros comerciais. No Canadá, comerciantes fazem campanha para boicotar produtos americanos e valorizar a produção local. No Brasil, o Congresso aprovou projeto que estabelece critérios para que o País responda a “medidas unilaterais” de países e blocos econômicos – o texto seguiu para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silvat.
Integrantes do governo defendem que Lula não pode fazer o embate sozinho e deve trazer consigo o Legislativo, governadores e o setor privado, para que a resposta seja unificada e de Estado ( mais informações nas pág. B4 e B5).
Já a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse que, em um momento em que as principais economias do mundo estão usando tarifas para extrair concessões em outros objetivos estratégicos, a Europa não pode “se dar ao luxo de ser desunida”, em discurso preparado para a entrega do Prêmio Sutherland de Liderança em Dublin, na Irlanda. “Se não pudermos tomar decisões de uma forma europeia, então outros usarão isso contra nós.” •
Reações
No Canadá, comerciantes fazem campanha para boicotar produtos dos Estados Unidos
O tarifaço e seus efeitos sobre o Brasil
A primeira sensação é de alívio. Quem esperava uma paulada apocalíptica sobre o Brasil viu que os alvos mais importantes são China, União Europeia, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e o Vietnã.
Os produtos brasileiros ficaram com a “tarifa recíproca” média de 10%, a ser acrescentada às existentes – a mais baixa que passará a ser cobrada.
Do ponto de vista da economia global, além de mais inflação, o tarifaço é uma bomba atômica sobre os países economicamente mais importantes. Não ficou claro se a tarifa média enfileirada na tabela mostrada nesta quarta-feira será uniforme. Pode ser distribuída com altos e baixos, dependendo do produto. E, se o objetivo não é só revidar às atuais tarifas, mas também às barreiras não tarifárias (exigências de qualidade e de condições), como disse Trump, não dá para saber qual será o impacto imediato. Muitos países ou grupos já anunciaram represálias.
O presidente Trump conta com grande afluxo de investimentos para os Estados Unidos e com a redenção da indústria. Seu raciocínio é que foram roubados por décadas e que chegou a hora da “libertação”. Não se sabe até que ponto isso irá acontecer.
As projeções são de obter receitas entre US$ 600 bilhões e US$ 1 trilhão por ano apenas com o tarifaço. Ou seja, um dos objetivos é arrecadar com um imposto cuja função não é arrecadar, mas regular o comércio. Quando um governo usa um imposto regulatório para arrecadar, tende a produzir distorções, além das geradas pela sanha protecionista. Quando, por exemplo, a taxa alfandegária voltar a ter função regulatória, a perda de arrecadação poderá fazer falta no orçamento. Ou se mantiver como prioridade a produção de receitas, o imposto deixará de funcionar como regulador do fluxo comercial.
Como reagirá o governo brasileiro, que agora conta com o respaldo do Congresso para um eventual revide? O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, já avisou que o País não tem cacife para peitar os Estados Unidos nessa guerra comercial. Isso significa que não pode sair atirando a esmo. Melhor é se esconder por trás do cupinzeiro até a poeira baixar e, só então, fazer o que for preciso – seja para tirar proveito desse jogo duro, seja para reduzir os estragos.
O Brasil pode sair favorecido. Pode ocupar espaços comerciais que agora serão estreitados de um lado e de outro e seguir exportando commodities, principalmente alimentos, petróleo e minérios.
A guerra comercial deve facilitar novos acordos do Brasil e do Mercosul com os mais prejudicados pelo tarifaço, como a União Europeia e o Japão.
E, como o presidente Lula hoje é mais partidário do livre-comércio do que foi antes, talvez seja a melhor hora para reduzir o forte protecionismo vigente, que tornou o Brasil um dos países mais fechados do mundo e que, no entanto, em mais de 70 anos, ainda não conseguiu emancipar a indústria.
Fonte: O Estado de São Paulo – 03.04.2025
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