Varejo reduz novas encomendas, e indústria vê aumento de estoques
Comércio corta pedidos para se adequar à queda de vendas e escapar do juro que encarece o capital de giro; de 19 segmentos da indústria, 12 já acumulam mais produtos
Os varejistas estão enxugando seus estoques. Depois de incentivar o pagamento à vista por meio do Pix – uma forma de gerar mais caixa –, segurar novas encomendas à indústria passou a ser mais uma saída encontrada pelo comércio para imobilizar menos dinheiro em produtos nas prateleiras das lojas. Com isso, o varejo tenta escapar dos juros elevados do crédito para capital de giro, destinado a pagar contas do dia a dia.
Na ginástica para driblar o custo financeiro, turbinado pelo juro básico hoje em 13,75% ao ano, quem perde de imediato é a indústria. Com a redução das compras do varejo, fabricantes veem o volume de mercadorias crescer em seus armazéns.
Na semana passada, a empresária Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, citou os estoques acumulados pelas indústrias como efeito dos juros altos, que afetam as vendas no varejo. “O varejo puxa tudo, a indústria, a construção. Estamos tendo excesso de produtos. As indústrias não têm onde colocar (os produtos)”, disse ela, durante reunião de empresários ligados ao Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV). Também presente estava o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto – que nesta quarta-feira anuncia a nova Selic.
A freada nas compras do varejo aparece na Sondagem do Comércio da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em maio, por exemplo, a fatia de empresários do comércio com estoques considerados indesejados estava em 13,7%, o menor nível desde novembro de 2022. Também o custo financeiro elevado foi apontado por quase um quarto dos comerciantes (23,8%) como fator limitante para tocar o negócio. Foi o maior resultado para esse quesito para um mês de maio desde 2016.
Já na indústria, desde setembro o indicador de estoques está acima de 100, revelando um acúmulo indesejado de produtos, mostra a Sondagem da Indústria de Transformação da FGV. Dos 19 segmentos pesquisados, 12 acumulam um volume de estoques acima do desejado. “Estoques têm sido um problema há algum tempo”, afirma Stéfano Pacini, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, responsável pela sondagem da indústria.
SUPERMERCADOS. No segmento de supermercados, onde a maior parte dos itens vendidos são alimentos – um setor crítico no acúmulo de estoques indesejados, segundo a sondagem da indústria da FGV –, o ajuste está em curso.
Celso Kayo, gerente-geral comercial da rede de supermercados Hirota, conta que as vendas dos supermercados em geral desaceleraram do primeiro para o segundo trimestre deste ano, o que provocou uma alta nos estoques do varejo alimentar. O giro de estoque do mercado, que antes era de 28 dias, subiu para 32 dias. “Aí, a ordem é parar de comprar”, afirma.
O Hirota, por exemplo, que tem 140 lojas, entre supermercados, lojas de conveniência e em condomínios, já conseguiu ajustar os estoques ao volume menor de vendas. “Reduzimos as compras da indústria, mas continuamos com mercadoria suficiente para não termos ruptura (falta de produto nas prateleiras).”
Sébastien Durchon, sênioradvisor de Varejo e Bens de Consumo da consultoria Olivier Wyman, confirma que há um movimento claro dos varejistas para reduzir estoques. Uma das razões é diminuir o custo financeiro que está “destruindo” boa parte do resultado líquido dos varejistas.
No entanto, ele destaca que se trata de uma estratégia arriscada. Isso porque, se o varejo fica sem produto nas prateleiras, perde venda. Por isso, observa Arnaud Dusaintpère, sócio de
Varejo e Bens de Consumo da consultoria, é preciso ter um ajuste fino, usando ferramentas de inteligência artificial, entre outras, para prever a demanda e o volume de estoque adequado.
Para Durchon, além do custo financeiro elevado, há dois outros fatores que são favoráveis ao varejo para cortar estoques. Um deles é o consumo fraco. “Não é uma boa notícia, mas isso ajuda a reduzir estoques”, diz.
Outro fator é a desaceleração da inflação e a chance de, em alguns itens, ocorrer deflação nos preços. Os varejistas não querem correr o risco de comprar um produto por um valor maior e ter de vendê-lo depois por um preço abaixo do custo. “Essa é mais uma razão para reduzir o estoque, esperar a inflação recuar e voltar às compras no futuro.”
Procuradas, a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia) e a Associação Paulista de Supermercados (Apas) não se manifestaram sobre o tema. •
Pesquisa O custo financeiro foi apontado por 23,8% dos comerciantes como uma trava para os negócios
Responsável pela Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getulio Vargas (FGV), o economista Stéfano Pacini chama a atenção para o fato de que o aumento de mercadorias nos armazéns das empresas não se limita hoje a um ou outro setor. Mais da metade dos segmentos (63%) da indústria de transformação consultados pela entidade afirma que o acúmulo de estoques é crescente desde setembro do ano passado.
A situação atual reflete, na sua opinião, o contexto macroeconômico de juros elevados – que inibem as compras do consumidor e enfraquecem a demanda e, consequentemente, afetam a cadeia de produção.
Pacini lembra que, no pico da pandemia, a indústria enfrentou escassez de insumos, e os estoques ficaram vazios. Hoje, no entanto, o contexto é diferente. “Estamos vendo um esfriamento da demanda e um acúmulo de mercadorias.”
Na lista dos setores da indústria com quadro mais crítico em maio, constavam alimentos, química, informática, máquinas e materiais elétricos – que incluem os eletrodomésticos –, informática e eletrônicos, aponta a sondagem da FGV.
“O nosso estoque aumentou porque não prevíamos que houvesse, por parte do varejo, redução nas compras”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato.
No primeiro trimestre deste ano, as vendas da indústria elétrica e eletrônica para o varejo caíram 6% em relação a igual período do ano anterior, enquanto a produção física recuou 7,4% na mesma base de comparação.
Em abril, a fatia de indústrias associadas à entidade que tinham estoques acima do que seria considerado normal era de 40%, ante 29% no mesmo mês do ano anterior. No caso dos estoques de produtos acabados, de fevereiro para março já tinha subido de 33% para 39% o número de empresas com estoques acima do normal. E, em abril, esse índice foi mantido.
Nas contas de Barbato, a indústria deve levar entre 90 e 120 dias para ajustar a produção, com redução de compras de componentes importados e, em última instância, corte de turnos e de pessoal. Aliás, algo que já começou a acontecer, porém de forma incipiente.
SETOR QUÍMICO. A indústria química diz que o aumento de estoques apontado na sondagem da FGV pode ser pontual. “Não costumamos trabalhar com estoque alto, porque é muito caro”, afirma a diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria
Química (Abiquim), Fátima Giovanna Coviello Ferreira.
No entanto, ela observa que os dados do setor neste ano até abril mostram que as fábricas operam com “baixa carga”. Em média, a ocupação da capacidade instalada está em 70%, o menor nível da série histórica, iniciada em 1996.
Fátima diz que seria preciso baixar os juros, no momento oportuno, para estimular a economia na ponta. A indústria química está na base da cadeia produtiva de grandes setores, como automobilístico, construção civil, indústria de alimentos, calçados, cosméticos. “No momento em que você começa a estimular a economia, isso vai puxar todos os demais segmentos”, afirma ela, destacando que a indústria química é um termômetro da atividade.
“Com a queda da inflação, está sendo criado um ambiente propício para a redução dos juros”, diz Barbato, da Abinee. Nesta semana, sob forte pressão do governo e do setor empresarial, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central define a nova Selic (hoje, em 13,75%). Mas a expectativa no mercado financeiro é de corte só a partir do segundo semestre.
Além dos juros em alta, Barbato aponta a falta de renda do consumidor, que tem optado por modelos de celulares mais baratos, por exemplo.. Esse foi outro fator que pesou na queda do faturamento do setor.
Rodolpho Tobler, economista responsável pela sondagem do comércio da FGV, diz que é esperada uma redução dos juros pelos empresários do varejo. Mas, como esse movimento não deve ocorrer rapidamente, os varejistas buscam outras estratégias para equilibrar os negócios. “Aliviar estoques é uma forma de fugir do custo financeiro”, diz. •
Declínio As vendas da indústria eletrônica para o varejo caíram 6% no 1º trimestre em relação ao ano anterior
FONTE: O Estado de SP – 19.06.2023