Melhora do emprego formal se concentra na baixa qualificação

Melhora do emprego formal se concentra na baixa qualificação

96% das vagas criadas em 12 meses foram ocupadas por profissionais com ensino médio

Desde que a fase mais aguda da pandemia foi superada, o mercado de trabalho tem rendido boas notícias para a economia brasileira, mas a melhora do emprego formal está concentrada em mão de obra de mais baixa qualificação. Levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que, de 1,5 milhão de vagas de trabalho com carteira assinada criadas em 12 meses até agosto, 96% delas foram para empregados com ensino médio completo ou incompleto. No mesmo período, houve fechamento de postos para profissionais com mestrado e doutorado. Esse fenômeno ocorre em momento de alta da escolaridade no País. Para especialistas, o problema evidencia dificuldades estruturais do Brasil de abrir vagas para uma mão de obra mais qualificada.

Hyago Santos, de 31 anos, terminou a graduação de ciências contábeis em junho. Mas o diploma do ensino superior ainda não representou um emprego na sua área de formação. “Falei com três escritórios de contabilidade grandes da minha cidade, mas nenhum topou”, afirma ele, morador de Tanhaçu, no interior da Bahia.

Nesses meses de formado, até recebeu proposta de trabalho, mas nenhuma condizente com a sua formação. “Tive uma proposta de emprego de uma loja em Vitória da Conquista. Estavam procurando um gerente, mas queriam pagar pouco.” Agora, sem emprego formal, a meta é se dedicar a provas de concursos públicos. Em dezembro, deve fazer a avaliação para o Tribunal de Contas do Estado da Bahia.

Desde que a fase mais aguda da pandemia foi superada, o mercado de trabalho tem rendido boas notícias para a economia brasileira. Mas a história de Santos se repete em outras partes do País. Isso porque a melhora do emprego formal nos últimos anos está concentrada em trabalhadores de mais baixa qualificação – uma tendência que vem se acentuando.

Levantamento realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que 96% das vagas formais criadas no País foram para trabalhadores com ensino médio incompleto ou completo. O estudo levou em conta os dados do Ministério do Trabalho apurados em 12 meses até agosto.

No período, a economia brasileira criou 1,5 milhão de vagas de trabalho com carteira assinada. Desse total, os trabalhadores com ensino médio incompleto preencheram 123,6 mil postos, e os com médio completo responderam por 1,3 milhão. Já no topo das vagas, houve fechamento de postos para profissionais com mestrado e doutorado, de 511 e 655, respectivamente. •

Historicamente, a abertura de postos para trabalhadores com ensino médio sempre predominou no mercado de trabalho brasileiro, mas a questão, observam os especialistas, é que esse movimento tem se aprofundado nos últimos anos. Em 2021, essa relação era de 81%. Em 2022, subiu a 87%. E, agora, está em 96%, de acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, apurados nos 12 meses até agosto.

“Desde o início da recuperação da pandemia, a gente tem observado uma geração consistente do emprego formal no Brasil. A gente pode dizer que o começo dessa recuperação foi no segundo semestre de 2020”, afirma Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e responsável pelo levantamento.

“O que chama a atenção, porém, é o crescimento acima da média de vagas para trabalhadores com ensino médio completo e incompleto, enquanto que, para trabalhadores mais qualificados, esse ritmo ainda é fraco ou até apresenta uma pequena retração”, destaca Bentes.

A criação de vagas destinadas ao ensino médio pode ser lida de duas maneiras, segundo economistas. Numa avaliação de curto prazo, a geração de empregos para esse nível educacional pode ser explicada pela recuperação dos estragos provocados pela pandemia de covid-19 no mercado de trabalho, que afetou mais os brasileiros menos escolarizados. Já de forma mais estrutural, evidencia a dificuldade do Brasil de abrir postos para uma mão de obra mais qualificada.

“Justamente os grupos que mais sofreram na pandemia foram aqueles menos escolarizados, que também foram os últimos a voltar para o mercado de trabalho ao longo dos últimos dois anos”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior do FGV Ibre.

GRAU DE INSTRUÇÃO. O dado do emprego concentrado no nível médio se dá num contexto em que a economia brasileira tem conseguido aumentar o grau de instrução da população.

Em 1992, 34% da população ocupada tinha entre zero e quatro anos de estudo, mostra um levantamento do Ibre com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, esse dado havia recuado para 7%. Na outra ponta, há 30 anos, 14% entravam na faculdade, mas não necessariamente completavam o curso. No ano passado, 44% estavam no ensino superior.

O País, porém, não tem conseguido criar serviços de alta qualificação, pondera Barbosa Filho. “Temos gerado (vagas) em serviços de baixa qualificação, e estamos nos especializando em serviços de baixo valor agregado”, afirma.

No levantamento da CNC, esse cenário fica evidente. As profissões que somaram mais de 100 mil aberturas de vagas nos 12 meses até agosto deste ano foram: vendedores de loja, trabalhadores nos serviços de manutenção de edificações, escriturários, profissionais da linha de produção e almoxarifes.

Na avaliação de especialistas, a mudança de cenário passa por uma combinação de fatores importantes. O País precisa atrair investimentos, melhorar o seu ambiente de negócios

“Para trabalhadores mais qualificados, o ritmo ainda é fraco ou até apresenta uma pequena retração” Fabio Bentes

Economista da CNC, e responsável pelo estudo

e reduzir a incerteza que cresceu desde 2015, diante do desarranjo das contas públicas e do elevado endividamento.

Questionado sobre esse cenário, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou ao Estadão que a retomada mais consistente do mercado depende da recuperação da indústria. “A indústria que dá o grande suporte, inclusive para serviços.”

FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20231024/page/21/textview