É precipitado afirmar que a política industrial terá impacto relevante na trajetória da Selic

É precipitado afirmar que a política industrial terá impacto relevante na trajetória da Selic

Desde que o governo divulgou a sua política industrial, tem surgido um debate sobre os impactos da possível expansão fiscal

Desde que o governo divulgou as bases gerais de sua política industrial, tem surgido um acalorado debate sobre os impactos da possível expansão fiscal e, principalmente, do aumento do crédito direcionado sobre a taxa real de juros de equilíbrio (taxa neutra).

O primeiro temor surgiu com o anúncio do aporte de R$ 300 bilhões, até 2026. Contudo, não há R$ 300 bilhões de expansão fiscal adicional. Esse montante inclui o exercício de 2023, que já é passado, além de haver duplas contagens, uma vez que a maior parte dessa verba já estava definida. E mais de 70% referem-se a financiamentos do BNDES com recursos a serem captados junto ao setor privado, não se caracterizando diretamente como gastos primários. Ainda, dada a rigidez orçamentária, não há espaço para grande ampliação do investimento público.

A segunda preocupação, mais pertinente, é com a expansão do crédito direcionado. O Banco Central, corretamente, destaca que o grande volume de crédito direcionado, com taxas inferiores às do segmento livre, é uma das principais causas de o juro neutro no Brasil ser mais elevado que em muitos países comparáveis. Mas aqui há vários pontos que precisam ser considerados e que enumero a seguir:

1) Diz-se que o crédito direcionado equivale a cerca de 40% do crédito total. Mas esse porcentual se refere ao estoque (saldos), e não ao fluxo de concessões que, salvo melhor juízo, é o que mais afeta a política monetária. Dado que o prazo médio dos financiamentos no segmento direcionado é muito mais longo do que os do segmento livre, é natural que o estoque do primeiro cresça proporcionalmente mais do que o do segundo.

2) O efeito do crédito direcionado sobre a taxa neutra também depende, crucialmente, de quanto as taxas desse segmento são inferiores às do segmento livre, ou seja, do montante de subsídio creditício envolvido. Parte expressiva do crédito direcionado vai para o setor imobiliário, onde, com exceção das habitações para a baixa renda, a taxa não é tão subsidiada como se diz. Veja, por exemplo, a carteira hipotecária e os imóveis comerciais.

3) Um setor em que o crédito é fortemente subsidiado é o agropecuário, mas aqui a discussão é outra, e bem mais complexa politicamente.

4) Quando se fala em crédito direcionado, a primeira ideia que vem à cabeça são os financiamentos do BNDES. Mas mesmo no período Dilma Rousseff o BNDES respondeu, no pico, a cerca de 35% das concessões. Nos últimos seis anos, em média, a participação desse banco não chega a 15%.

5) Deve-se levar em conta também a correlação, que em algumas modalidades é significativa, entre a taxa Selic e as praticadas no segmento direcionado.

Em resumo: embora eu tenha várias objeções à política industrial anunciada pelo governo, considero precipitado afirmar que ela terá impacto relevante na trajetória da Selic.

 

Fonte: O Estado de São Paulo – 04.02.2024
link: https://www.estadao.com.br/economia/claudio-adilson-goncalez/politica-industrial-credito-direcionado-e-taxa-neutra-de-juro/