Depois de ata do Copom, mercado já vê fim de novas reduções dos juros

Depois de ata do Copom, mercado já vê fim de novas reduções dos juros

BC defende postura ‘mais contracionista’ e ‘mais cautelosa’ na administração da Selic; mediana de estimativas para taxa passa de 9,75% para 10%, indica pesquisa

Reunião do Comitê de Política Monetária que reduziu a Selic de 10,75% para 10,5% expôs preocupação do BC com inflação. Projeção da taxa no fim do ano vai a 10%.

“A ata do Copom veio dura e abriu a porta para o fim do ciclo de flexibilização”

Mário Mesquita,

Economista chefe do Itaú

“A ata do Copom veio bastante dura e, a nosso ver, abriu a porta para o fim do ciclo de flexibilização” Mario Mesquita

Economista chefe do Itaú

“A extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”

Trecho da ata do Copom

Divulgada ontem, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) – que terminou com a redução da Selic em 0,25 ponto porcentual, de 10,75% para 10,5% ao ano – reforçou a preocupação do Banco Central com a trajetória da inflação e, na avaliação de analistas, deixou a porta aberta para um cenário que não estava no radar de ninguém até agora: o fim imediato do ciclo de cortes da taxa básica de juros – que fecharia o ano ainda em dois dígitos.

A ata trouxe duas mensagens. A primeira, de que o racha entre os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o BC – e que defenderam um corte maior para a Selic, de 0,5% – e os outros cinco integrantes do Copom tinha a ver com a forma de comunicação do BC, e não com uma possível leniência com a inflação – principal temor do mercado desde a semana passada (mais informações na pág. B2).

A outra mensagem diz respeito aos próximos passos da política monetária. Apesar da divisão na hora de arbitrar um índice de corte para a Selic, todos os nove diretores entenderam que, em função das projeções para a inflação, é preciso uma política “mais contracionista, mais cautelosa e sem indicações sobre os próximos passos”. Segundo a ata, essa é a posição “mais apropriada diante do cenário global incerto e do cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas”.

Além disso, diz que é preciso “ancorar” as expectativas, ou seja, levar as projeções de mercado para a meta de 3% nos próximos anos. “Todos corroboraram o entendimento de que a extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta.”

‘PAUSA PROLONGADA’.

O cenário de aperto monetário já apareceu no resultado de pesquisa feita ontem pelo Projeções Broadcast, que consultou 38 instituições financeiras, entre bancos e administradores de recursos. A mediana para a Selic subiu de 9,75% para 10% em 2024. Já a previsão de data para encerramento do atual ciclo de corte, que antes era em setembro, agora foi puxada para junho.

“A ata do Copom veio bastante dura e, a nosso ver, abriu a porta para o fim do ciclo de flexibilização”, disse o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, em relatório. Por ora, o banco ainda vê o Copom reduzindo o juro básico em 0,25 ponto na reunião de junho, com a Selic parando em 10,25% – “seguido por uma pausa prolongada”. A projeção anterior do banco era de 9,75%.

O Banco Inter também trabalha, neste momento, com mais uma queda de 0,25 ponto na reunião de junho. Mas a economista-chefe da instituição, Rafaela Vitória, não descarta que, a depender da conjuntura, o BC opte por parar de cortar o juro já no próximo encontro.

Na sua avaliação, a ata deixou claro que os próximos passos do comitê estão em aberto e que ainda não há consenso entre os membros do colegiado sobre qual será o nível da Selic ao fim do atual ciclo de cortes. “O tamanho da restrição monetária suficiente para a reancoragem de expectativas ainda é a principal dúvida.”

Alguns analistas, porém, já trabalham com uma taxa final da Selic em 10,5% ao ano – que é o patamar atual. É o caso do economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. Ele avalia que a perspectiva de um novo corte de juros vai contra o rigor da ata divulgada ontem. O cenário-base da corretora incorporou a reunião deste mês como sendo a da última redução da Selic, que fecharia o ano, então, em 10,5%.

A equipe de macroeconomia da XP Investimentos também passou a prever no seu cenário a possibilidade de fim do ciclo de redução da Selic. “Usando um modelo similar ao do Copom, nossos cálculos sugerem que a taxa Selic em ou acima da nossa projeção de 10% seria necessária para trazer a projeção de inflação de 2025 para a meta”, dizem os economistas, em relatório. “Especialmente porque vemos a expectativa de mercado de 2025 subindo ainda mais nas próximas semanas.”

‘AMBIENTE MAIS DIFÍCIL’.

Para Alvaro Frasson, economista do BTG Pactual, a ata foi muito clara ao apontar como o cenário se deteriorou desde o encontro anterior do colegiado – em março. Ele destaca que, desta vez, houve por parte do comitê muito mais preocupação com o cenário doméstico do que com o cenário internacional. Com isso, o economista avalia que o cenário-base do BTG hoje, de Selic em 10% ao fim do atual ciclo de afrouxamento, com mais duas reduções de 0,25 ponto, é “otimista” e que “o ambiente está mais difícil para corte de juro”.

A forma de comunicação do Banco Central com o mercado teria sido a principal causa para o racha na reunião do Copom do início deste mês, quando a Selic caiu de 10,75% para 10,5%. Os quatro diretores indicados pelo atual governo votaram por um corte de meio ponto porcentual, enquanto os cinco diretores herdados do governo Bolsonaro optaram por um ritmo menor de corte – de 0,25 ponto, o que acabou prevalecendo.

A divisão aumentou no mercado o receio de interferência política no BC, considerando o fim do atual mandato do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, em dezembro. O favorito para assumir o posto é Gabriel Galípolo, ex-número 2 do Ministério da Fazenda e que hoje ocupa a diretoria de Política Monetária do BC. Para alguns analistas, a troca de guarda poderia indicar leniência da nova administração com a inflação.

A explicação para o racha está no 18.º parágrafo da ata da reunião, divulgada ontem. Para os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Ailton de Aquino Santos, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira, além de Galípolo), haveria um “custo reputacional” para o BC ao abandonar o chamado “forward guidance”, ou “orientação futura”, o que levaria a uma perda para as comunicações formais do banco.

“Como em debates ocorridos em outras reuniões, tais membros discutiram se o cenário prospectivo divergiu significativamente do que era esperado a ponto de valer o custo reputacional de não seguir o ‘guidance’, o que poderia levar a uma redução do poder das comunicações formais do comitê”, diz a ata.

Com isso, eles indicaram discordar da postura de Campos Neto de abandonar o “guidance” em um evento do mercado financeiro em Nova York. Campos Neto teria uma reunião fechada com investidores, mas pediu que o encontro fosse aberto. Ao fazer um discurso mais duro, o mercado entendeu que o corte de 0,5 ponto havia sido abandonado, e passou a apostar em 0,25 – o que, de fato, aconteceu.

 

Fonte: O Estado de São Paulo – 15.05.2024
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