A guerra chinesa dos elétricos

O acordo comercial recentemente anunciado entre Estados Unidos e China representa um cessar-fogo tático, e não uma reestruturação profunda da relação entre as duas maiores economias do mundo. Os Estados Unidos manterão tarifas de 55% sobre produtos chineses, enquanto a China aplicará 10% sobre importações americanas. Entre as concessões mútuas, a China concordou em retomar temporariamente as exportações de terras raras e ímãs, vitais para setores de alta tecnologia, e os Estados Unidos permitirão que estudantes chineses continuem acessando suas universidades.
O acordo, no entanto, é temporário, por seis meses, prazo estabelecido para a definição de um entendimento mais amplo. Para a China, esse intervalo representa uma pausa estratégica em meio a uma conjuntura interna desafiadora. A economia do país atravessa um período de desaceleração estrutural, marcada por um crescimento mais lento, deflação no mercado imobiliário, desemprego juvenil elevado, envelhecimento populacional acelerado e excesso de capacidade industrial.
Esse último fator tem se expressado de forma aguda na indústria de veículos elétricos (EVs). A fraca demanda interna, somada à ociosidade das fábricas, desencadeou uma guerra de preços feroz entre as montadoras chinesas. O governo, embora preocupado com a sustentabili
Em 2023, a China exportou 1,28 milhão de veículos elétricos, número que cresceu quase 7% em 2024
dade do modelo, segue oferecendo estímulos: acesso subsidiado a financiamento, terrenos e energia barata. O resultado é uma avalanche de exportações de EVs compactos a preços extremamente competitivos. Enquanto um modelo básico na China custa entre US$ 7 mil e US$ 10 mil, nos Estados Unidos os equivalentes partem de US$ 20 mil e, na Europa, superam os US$ 25 mil.
Em 2023, a China exportou cerca de 1,28 milhão de veículos elétricos, número que cresceu quase 7% em 2024. Estimativas de mercado indicam que, no ano passado, os fabricantes chineses foram responsáveis por aproximadamente 40% das exportações globais de EVs. O próprio governo chinês passou a se mobilizar para conter os efeitos colaterais dessa guerra de preços: tenta evitar o colapso de empresas endividadas, proteger empregos e manter a competitividade do setor. O risco mais visível é que, se a competição baseada em preço continuar a se intensificar, a indústria pode entrar em uma espiral perigosa – com margens próximas de zero, desincentivo à inovação e retração dos investimentos de longo prazo.
A guerra chinesa dos elétricos não é apenas industrial. É geoeconômica. Os EVs se tornaram instrumentos de projeção global, sustentação econômica e disputa estratégica em uma nova ordem internacional – onde preço, tecnologia e diplomacia atuam no mesmo tabuleiro.
FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250614/textview