China está com pouco dinheiro em caixa para enfrentar Trump

No mais recente orçamento do governo da China, alguns números se somam a uma tendência alarmante. A receita tributária está caindo. Esse declínio significa que a China tem menos dinheiro para enfrentar os graves desafios econômicos do país, incluindo a quebra do mercado imobiliário e a quase falência de centenas de governos locais.
A fraca arrecadação de impostos também coloca os líderes chineses em uma situação difícil ao enfrentarem o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que impôs tarifas de 20% sobre os produtos da China e ameaçou aplicar mais taxas. Pequim tem menos dinheiro disponível para auxiliar setores de exportação que estão impulsionando o crescimento econômico, mas que podem ser prejudicados pelas tarifas.
Até os últimos anos, a China desfrutava de uma receita robusta, que era usada para investir em infraestrutura, em um rápido desenvolvimento militar e em amplos subsídios industriais. Mesmo com a desaceleração gradual do crescimento econômico nos últimos 12 anos, reduzindo os gastos dos consumidores, a receita tributária manteve-se relativamente estável até recentemente.
Ela caiu mais do que nunca no ano passado, por várias razões. Uma das principais é a deflação – um amplo declínio nos
Cenário
Queda da receita tributária significa que os déficits orçamentários vão se manter em alta na China
preços. Empresas e o governo chinês estão com menos dinheiro para fazer os pagamentos mensais de suas dívidas.
Desde setembro, as autoridades chinesas prometeram várias vezes que estavam prestes a fazer o que praticamente todos os economistas recomendam: gastar mais dinheiro para ajudar os consumidores com medidas como pensões mais altas, melhores benefícios médicos, mais seguro-desemprego e vale-refeição. Porém, repetidamente, eles apresentaram programas ambiciosos sem fornecer mais do que uma pequena quantidade de gastos extras.
A explicação usual para a frugalidade está na oposição de longa data de Xi Jinping, o principal líder da China, que alertou em um discurso em 2021 que a China “não deve ter objetivos muito altos ou exagerar na previdência social e evitar a armadilha do assistencialismo que gera ociosidade”.
Mas o orçamento da China para 2025 sugere uma explicação diferente: o governo nacional pode não ter dinheiro. Apesar do recorde de empréstimos, seria difícil encontrar o dinheiro necessário para estimular o consumo.
A receita tributária geral caiu 3,4% no ano passado. Pode não parecer muito, mas é uma divergência considerável em relação à economia geral, que, segundo as estatísticas oficiais, cresceu 5% antes de ser ajustada pela deflação.
A queda da receita tributária significa que os déficits orçamentários da China estão aumentando, não por causa dos gastos extras do governo para ajudar a economia, mas porque há menos dinheiro entrando no caixa. O problema vem se agravando há anos nos governos locais, que têm receitas cada vez menores com a venda de terras públicas, e se espalhou para o governo nacional.
A Fitch Ratings calcula que a receita geral para os governos nacional e local – incluindo impostos e vendas de terrenos – totalizou 29% da produção da economia até 2018. Mas o orçamento deste ano indica que a receita geral será de apenas 21,1% da economia em 2025.
Aproximadamente metade do declínio vem da queda na receita das vendas de terrenos, problema relacionado ao colapso do mercado imobiliário, mas o restante vem da fraqueza da receita tributária.
Isso resulta em uma enorme soma de dinheiro. Se a receita geral tivesse acompanhado o ritmo da economia nos últimos sete anos, o governo chinês teria mais US$ 1,5 trilhão (R$ 8,6 trilhões) para gastar em 2025.
A China anunciou este mês que permitiria que sua meta oficial para o déficit orçamentário aumentasse para 4% neste ano, após tentar mantê-lo próximo a 3% desde a crise financeira global em 2009. Mas os analistas afirmam que o déficit real já é muito maior, porque a China está contabilizando uma grande quantidade de empréstimos de longo prazo como se fossem receitas fiscais.
Comparando os gastos apenas com a receita real, sem os empréstimos, o orçamento do Ministério das Finanças mostra um déficit equivalente a quase 9% da economia. Em 2018, foi de apenas 3,2%.
“Os déficits são bastante altos, e a dívida está aumentando rapidamente; portanto, eles enfrentam desafios fiscais”, disse Jeremy Zook, diretor de classificações soberanas da Ásia e do Pacífico na Fitch.
PALAVRA PROIBIDA. A palavra “deflação” é proibida em documentos oficiais chineses, portanto, o ministério apresentou uma explicação eufemística: “Essa queda deveu-se principalmente ao fato de que os preços ao produtor foram menores do que o esperado”. Os preços ao produtor caíram 2,3% na China no ano passado.
A receita dos impostos sobre valor agregado começou a se enfraquecer em 2018. Foi quando o governo reduziu drasticamente esses impostos para os exportadores com o fim de ajudá-los a compensar o impacto das tarifas impostas pelo presidente Trump em seu primeiro mandato.
O custo dessa redução de impostos disparou desde então, pois as exportações da China aumentaram, produzindo um superávit comercial de quase US$ 1 trilhão (R$ 5,7 trilhões) no ano passado, mesmo com o restante da economia estagnada.
“Os déficits são bastante altos e a dívida está aumentando rapidamente; portanto, eles enfrentam desafios fiscais”
Jeremy Zook
Diretor de classificações soberanas da Ásia e do Pacífico na Fitch
Outro problema está na queda dos salários e no aumento das demissões, especialmente durante o segundo semestre do ano passado. Os impostos sobre a renda cobrados de pessoas físicas ficaram 7,5% abaixo das expectativas no ano passado, informou o Ministério da Fazenda.
As tarifas elevadas impostas pela própria China sobre as importações são outra grande fonte de receita. Mas, como perderam grande parte de suas economias com a quebra do mercado imobiliário, os consumidores chineses reduziram as compras de produtos importados, enquanto os preços de muitos produtos importados caíram. Portanto, a receita dos impostos alfandegários ficou 9,2% abaixo das previsões no ano passado, também pelos dados do Ministério das Finanças.
O quadro financeiro deste ano pode ser ainda pior do que o previsto no orçamento. O orçamento repetiu muitas das mesmas suposições otimistas sobre a receita tributária e o desempenho econômico geral que foram feitas no ano passado.
FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250326/textview