‘Nunca houve tantas vagas em aberto no setor’, diz presidente de associação de supermercados

‘Nunca houve tantas vagas em aberto no setor’, diz presidente de associação de supermercados

Há no Estado de São Paulo 30 mil postos não preenchidos nas lojas; falta de mão de obra atrasa inaugurações, afirma novo presidente da Apas, Erlon Ortega

As 24 mil lojas de supermercados espalhadas pelo Estado de São Paulo estão à procura de trabalhadores. No Estado que sozinho responde por quase um terço do faturamento nacional do setor – cerca de R$ 300 bilhões em 2023 –, há hoje 30 mil vagas nos supermercados não preenchidas.

“Nunca houve tantas vagas em aberto”, afirmou Erlon Ortega, presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), ao Estadão, em sua primeira entrevista depois de empossado no cargo. A falta de mão de obra, segundo o executivo, atrasa o ritmo de expansão das redes varejistas. “Sabemos de lojas que estavam prontas para abrir e não conseguiram.”

Supermercadista há 30 anos, Ortega é sócio-fundador do Supermercado Serve Todos, que tem oito lojas na região de Bauru (SP) e fatura cerca de R$ 18 milhões por ano, uma rede de médio porte.

Além da falta de mão de obra, ele assumiu a presidência da entidade em setembro do ano passado em meio a outro grande desafio: conter a alta da inflação de alimentos. Na percepção do consumidor, é na compra de supermercado que a inflação aparece, de fato. Por isso, muitas vezes, o setor acaba sendo responsabilizado pela alta de preços.

Neste começo de ano, Ortega diz que está “um pouquinho mais otimista” por conta da diminuição da inflação de alimentos. Exceto o café, o preço de algumas outras matérias-primas tem baixado e isso deve animar o consumo e o setor.

No momento, os supermercadistas negociam com o governo uma forma de atenuar a alta de preços. Uma das propostas apresentadas é a redução das taxas cobradas pelos tíquetes alimentação. Essas taxas pressionam os custos financeiros e os preços do produtos vendidos nas lojas de maneira geral, até mesmo de quem não usa essa forma de pagamento.

Enquanto não se chega a um consenso sobre esse ponto, o presidente da Apas reforça que o papel do supermercado sempre foi o de não repassar de imediato a alta de preços dos fornecedores para o consumidor. Isso porque hoje a concorrência entre as redes é muito grande. Além disso, os supermercados têm estoque regulador. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor assumiu a Apas num momento em que a inflação de alimentos tá pegando. Como está a inflação de alimentos hoje nos supermercados: houve uma desaceleração ou não?

Alguns itens com aumentos maiores potencializaram um pouco a notícia da inflação. Mas em janeiro já houve uma boa desaceleração. Hortifruti caiu bastante. Hoje nós temos batata e cebola, por exemplo, a R$ 2,00, R$ 3,00 o quilo. Feijão já tem a R$ 4,00, R$ 5,00 o quilo. Caiu bastante. O arroz está em queda. Nessa segunda quinzena de janeiro, a carne também teve uma redução de preço. O óleo de soja baixou consideravelmente. Então, acredito que agora, no começo de fevereiro, esse ruído, essa percepção de aumento de preços esteja um pouco menor. Realmente a inflação no carrinho do supermercado, que foi em torno de 5,5%, 5,7%, vai sofrer uma redução agora. Houve uma redução em janeiro, que vai ser perceptível no começo de fevereiro.

Quer dizer que o período mais crítico da inflação de alimentos passou e vocês já estão notando desaceleração?

Sim, claramente há desaceleração em janeiro, principalmente nesses itens que falei. O café está fora desse contexto. Mas arroz, feijão, óleo, hortifrúti e carne, desaceleraram.

A tendência é continuar?

O clima está bom, isso ajuda. Mas somos influenciados por vários fatores: dólarjuros, taxações dos novos presidentes, tudo isso influencia muito no preço das commodities, que são arroz, feijão, óleo, milho. Neste começo de janeiro, no entanto, uma certa estabilidade e um bom clima contribuíram para a redução desses preços.

O senhor notou neste começo de ano redução de volumes comprados em função da inflação?

Os números de 2024 ainda estão sendo apurados. Falamos que o ano andou de lado. O crescimento foi mais ou menos o índice de inflação e o volume de itens vendidos se manteve, com uma pequena queda. Estamos acabando de apurar.

E, em janeiro de 2025?

Ainda não temos dados da Apas. Mas na minha rede cresceu 2% o volume de itens vendidos. Esse pequeno crescimento foi em virtude de uma queda de preço dos principais itens, principalmente de hortifrúti.

Houve mudança no comportamento do consumidor e da indústria em função da inflação de alimentos?

Eu não noto nenhuma mudança nas indústrias, alguma coisinha pontual. Está vendendo mais café de 250 gramas em virtude do preço do café de 500 gramas. Isso é uma realidade. Mas eu não vejo nenhuma mudança significativa da indústria.

A indústria não está reduzindo a embalagem?

Não vejo esse movimento de redução de embalagem por causa de inflação. Vejo esse movimento de redução de embalagem, às vezes por saudabilidade. Às vezes por comportamento mesmo: uma marca determinada baixa o preço e outra para concorrer baixa também. Eu não vejo que é especificamente por causa da inflação. A dona de casa é muito criativa e o supermercado também procura ofertar, destacar, os itens que naquele período estão mais atrativos. Por exemplo, subiu o preço do abacate, baixou o preço da banana, subiu o preço da vagem, baixou o preço da batata. Ninguém melhor que a dona de casa para poder fazer esse cálculo. Subiu o preço da carne de boi, ofertar-se outra proteína. O supermercado destaca o produto da época, o que está com bom preço, para que a consumidora possa substituir alimentos e não deixar de comprar.

O sr. notou algum consumo maior de marca própria ou de marcas de segunda linha?

Não, principalmente porque hoje existe uma competição muito grande, tanto entre supermercados quanto entre indústrias. Essa diferença de preço não é tão alta de uma boa marca e de uma marca própria, por exemplo. Acho que não houve uma migração de marcas, e sim uma migração de determinados produtos que estão com o preço mais elevados, categorias, não propriamente a marca, sendo substituída por uma categoria que está com menos problema de preço.

Por exemplo, de carne bovina para frango?

Exatamente. Carne de primeira para carne de segunda, carne bovina para frango, para suíno, esse tipo, a mudança da proteína. Mas o consumidor não deixa de comprar.

Isso é diferente de outras crises em que você tinha essa troca de marca mais visível, não?

Entendo que as marcas hoje estão muito mais homogêneas no preço do que antes. Antes a troca de marca era relevante, hoje não. Antes a diferença de preço entre supermercado e atacarejo era muito maior. Hoje está muito mais linear.

Por quê?

Depois da criação do atacarejo, o supermercado teve de ser um pouco mais eficiente: reduziu custos e começou a operar olhando o crescimento do atacarejo. E o atacarejo também começou a sofrer uma pressão do consumidor para ter um pouco de serviço. Ele precisava cortar carne, ter pão, fatiar queijo. Isso trouxe um pouco de custo ao atacarejo. Então, quando se soma o custo ao atacarejo e a eficiência e o ajuste do supermercado, essa diferença diminuiu muito. Hoje o atacarejo e o supermercado não têm mais aquela diferença de preço que tiveram no começo do conceito atacarejo.

Com essa crise da inflação dos alimentos, o sr. notou uma migração de quem fazia compra no supermercado para o atacarejo?

Não. Nós acreditamos que hoje o supermercado terá uma evolução maior do que a do atacarejo.

Fala-se muito na reduflação, ou seja, quando há redução da embalagem e com isso é possível repassar algum aumento de preço. O sr. vê esse movimento?

Vejo esse movimento com uma certa linearidade já há algum tempo. Principalmente em doces e chocolates. Não vejo em produtos básicos.

Nessa crise dos alimentos, houve alguma mudança da indústria na condição de negociação com o supermercado?

Só para contextualizar, se tem um setor no País que é descentralizado, é o de supermercado. Monopólio não existe no setor supermercadista. É uma guerra ferrenha. Eu sempre falo que o supermercado é um quebra-mola, é um redutor de inflação. Porque quando o produto baixa, ele baixa rápido, porque precisa ganhar mercado. Quando o produto sobe, ele usa o seu estoque para depois repassar esse preço. Até com a expectativa de que, se esse preço não subir – ele sobe num primeiro momento, mas ele volta num segundo momento -, o cliente nem percebe que houve essa inflação naquele determinado produto. Não está tendo mais briga com a indústria nesse sentido. Não vejo nenhuma mudança.

A indústria está repassando todos os aumentos integralmente ou só uma parte?

Determinado produto suporta passar o aumento integralmente. Outros, como commodities, produtos sensíveis à percepção do consumidor, não são repassados de uma vez para o supermercado. Para cada produto há um tipo de repasse. Claro que um produto com aumento de preço num mês, aumento de preço no mês seguinte, o estoque regulador termina e aí esse preço é aumentado, tanto na indústria quanto no supermercado. Mas, num primeiro momento, existe sempre o estoque, o que faz não subir de uma vez, porque você perde um pouco da condição de preço e perde um pouco o poder de briga que é muito grande.

Absorção de parte do repasse está recaindo mais sobre a indústria ou sobre o supermercado?

Não sei falar exatamente sobre a indústria. Mas, sobre o supermercado, com certeza, nós não gostamos da alta inflação. Isso é ruim para a gente, porque a gente tenta segurar o máximo possível. Nós somos repassadores, mas, como eu disse, a concorrência é muito grande. Quem repassa primeiro sai perdendo, mas a gente tem custos fixos, a gente tem uma margem muito baixa, a linha entre o lucro e o prejuízo é muito pequena. Mas, num primeiro momento, o supermercado segura.

Hoje o supermercado tem ainda um repasse grande para ser feito ou já repassou tudo o que tinha que repassar?

Vou dar um exemplo. Tenho um estoque de café que me dá um preço médio de R$ 26. Eu estou vendendo ele a R$ 29,00. Se eu fosse, ao pé da letra, aplicar a margem sobre o preço atual dele, eu estaria vendendo café a R$ 35,00, R$ 36,00. Então, isso é corriqueiro para o supermercado: trabalhar com preço médio, usando o estoque e ir repassando gradualmente. Tanto é que você vai pegar vários jornais de oferta e vai ver o café a R$ 25, R$ 26, R$ 27, em vários supermercados, mas ele custa R$ 30. Mas, através do preço médio, a alta de custo não foi repassada na sua totalidade.

Então, o supermercado hoje está sendo um moderador da inflação, nesse momento, trabalhando com preços médios?

Sem falsa modéstia, hoje, não. Sempre foi assim. Desde que eu me entendo por supermercadista, sempre usamos essa metodologia. Quando a inflação fica mais latente, aparece mais o trabalho dos supermercados.

Isso quer dizer que a situação da inflação podia ser muito pior se não tivesse essa moderação de preço médio do estoque?

Eu acho que a percepção da inflação seria muito maior, que ela chegaria de forma mais rápida. O aumento de preço para ser repassado no supermercado, ele tem de pelo menos se consolidar ao longo de 20, 30 dias, que é o estoque médio de uma loja. Então, o produto tem de subir uma, duas, três, quatro semanas seguidas para que o repasse seja praticado na sua totalidade ao consumidor.

O sr. está otimista com os preços para os próximos meses?

Nesta segunda quinzena de janeiro, eu estou otimista de uma melhora e de uma estabilidade. Neste começo de ano, o clima tem ajudando, dólar está em queda ou com um pouco de estabilidade. Então eu acredito que isso ajude nessa queda de preço.

Como estão as negociações com o governo sobre a questão da inflação dentro do supermercado?

A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) teve uma ou duas conversas com a equipe econômica do governo, inclusive com a presença do presidente. Abras fez um grande trabalho pedindo para que a cesta básica tivesse a tributação mínima possível. Agora tem a questão dos tíquetes alimentação, que têm uma taxa desproporcional ao que um supermercado pode pagar. Quando a compra é paga com cartão de crédito ou de débito, a taxa varia entre 1% e 0,5%. Se você comprou na minha loja R$ 1 mil, eu recebo R$ 1 mil, depois de 28 dias com um desconto de 0,5% a 1%. Quando você paga com um tíquete, isso tem uma variação que pode chegar até a 8%, 9%. Aproximadamente 25% das compras são pagas com vale alimentação e refeição. E o vale tem uma taxa desproporcional. E isso está incluso no preço como custo operacional do supermercado. Uma redução dessa taxa de 8% para 1,5%, terá impacto importante na composição de custo de um supermercado e na formação do preço final do produto.

Como está essa negociação o governo?

Quem trata é a Abras. O governo viu com bons olhos. Mas ainda não temos uma decisão final, porque esses vouchers são também de grandes empresas.

O que, na prática, o supermercado hoje está fazendo para conter a inflação?

Mostrar ao cliente qual produto é uma boa opção para ele sair daquele produto que tá fora de época (de produção) ou sofrendo algum problema com a alta do dólar, ou alguma coisa nesse sentido. Esse é o dia a dia do supermercado.

Por quê?

Porque temos uma concorrência muito grande. Nós temos, no Estado de São Paulo, 24 mil lojas. A concorrência é muito sadia e se não formos eficientes, se não segurarmos a inflação, não tivermos uma boa comunicação com o cliente, não continuamos no mercado.

Qual a expectativa de vendas para este ano?

Esse começo de ano deixou a gente um pouquinho mais otimista com a redução de alguns preços. Prevemos um crescimento em torno de 5% nominal, crescendo um pouquinho o número de itens vendidos.

Quais são hoje os principais problemas enfrentados pelo setor de supermercados no Estado de São Paulo?

Temos hoje grande foco na falta de mão de obra: são cerca de 30 mil vagas abertas no setor espalhadas pelo Estado de São Paulo, que têm de ser preenchidas. Não tem mão de obra disponível. Esse é o desafio.

Qual é o perfil dessas vagas? É mão de obra qualificada?

Não. Qualificar a gente até qualifica. No ano passado, nós demos 3 mil horas de curso em 16 regionais no Estado de São Paulo. Temos conversado com o governo sobre isso. Queremos disponibilizar as vagas para população que está sendo assistida por programas sociais e fazer o link. O supermercado é a porta de entrada, o primeiro emprego de muitos. Agora, também, o pessoal da terceira idade tem sido uma grata surpresa para a gente.

Há quanto tempo essas vagas estão abertas e para quais cargos?

Basicamente, essas vagas são de chão de loja: repositores, empacotadores, operadoras de caixa, açougue, padaria, por exemplo. Poucas vagas são para o setor gerencial

Não aparecem candidatos?

Essa é a dificuldade. Alguns aparecem com um nível muito raso de formação, mas o grande problema é não ter os candidatos. Nunca o setor teve tanta vaga em aberto. Não é só o setor. Esse é o problema que as Prefeituras estão enfrentando, que a indústria está enfrentando, que o agro está enfrentando.

Essa carência de mão de obra está sendo um obstáculo para a expansão do setor, para a abertura de lojas?

Está freando o ritmo. Sabemos de algumas lojas que estavam prontas para abrir e não conseguem. Elas prorrogam um pouco a abertura. Atrapalha o bom funcionamento também, porque o mercado é um setor que funciona todos os dias, é um abastecedor da população. Então, nós temos problema de determinados setores no dia a dia.

Como resolver esse problema?

Além dessa conexão que a gente quer fazer com o governo e mostrar as vagas disponíveis, também tem a questão da flexibilização. Temos uma juventude que quer trabalhar em um formato diferente do que o supermercado propõe. Ele quer trabalhar só no período da tarde, os outros só no período da manhã. Ele quer mais autonomia. Precisamos que o governo enxergue esse novo formato de trabalho, esse novo desejo do jovem e possa criar uma legislação mais fácil para o chamado horista. Isso poderia suprir, muitas vezes, essa falta de mão de obra.

Hoje, são quantos funcionários que trabalham no setor no Estado de São Paulo?

Mais de 700 mil diretos.

E essa carência de mão de obra está afetando quantas empresas?

Todas. Na minha loja tem 20 vagas abertas de um total de 500 funcionários.

Como as empresas estão se virando enquanto não encontram uma solução?

O RH (departamento de Recursos Humanos) está tendo de ser criativo. Fazendo um plano de carreira para quem permanecer para ter um turnover menor. Melhorando benefícios. Também melhorando salário. Mas tudo isso gera custo e você tem uma concorrência ferrenha. Mas os RHs estão sendo bastante criativos nesse sentido. Mesmo assim, a gente sente dificuldade na contratação.

Qual é o principal concorrente na disputa para essa mão de obra?

O principal concorrente é a trava trabalhista para o novo formato de trabalho. A gente precisa destravar esse novo formato de trabalho. Fazer uma jornada mais flexível.

A reforma trabalhista de 2017 não resolveu esse problema?

Não, precisamos melhorar a questão do horista. Precisamos de mais flexibilização.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Abrir bate-papo
Olá 👋
Como podemos ajudá-lo?