Como o mercado aquecido incentiva a troca de emprego

Como o mercado aquecido incentiva a troca de emprego

Em 12 meses até agosto, 8,2 milhões pediram demissão de forma voluntária, de acordo com dados do Caged; para especialista, cenário acirra a briga por talentos

Com o mercado de trabalho aquecido, muitos profissionais aproveitam o bom momento para trocar de emprego, ao buscar melhores salários, mais benefícios, aumento do tempo livre e chances de crescimento e desenvolvimento. Segundo levantamento da empresa de recrutamento Robert Half, enquanto o desemprego geral do País está em 6,6%, o de profissionais qualificados, acima de 25 anos e ensino superior completo, é de 3,5%. “Isso está abaixo do pleno emprego, o que acirra a briga pelos talentos”, diz o diretor da companhia, Lucas Nogueira.

Esse cenário ajuda a explicar a elevada rotatividade no Brasil, que está hoje em 34,74%, de acordo com estudo da consultoria Tendências realizado com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que considera o emprego com carteira de trabalho assinada. Isso quer dizer que, para cada 100 funcionários, quase 35 deixaram a empresa ou foram substituídos por novos trabalhadores nesse período de 12 meses até agosto.

“Em resumo, uma rotatividade de 34,7% indica que cerca de um terço da força de trabalho foi renovada”, afirma Lucas Assis, economista da Tendências e responsável pelo estudo. “E é importante destacar que a rotatividade acontece majoritariamente no primeiro ano (de vínculo).”

Além disso, em agosto, a quantidade de trabalhadores que pediu demissão de forma voluntária bateu recorde, também de acordo com dados do Caged. Foram 755,2 mil desligamentos a pedido do empregado. Em 12 meses, esse número chegou a quase 8,2 milhões.

“Desde novembro do ano passado, o nível de demissões voluntárias cresceu muito e tem aumentado consistentemente. Se no início deste ano diversos analistas tinham um pé atrás sobre o quanto o mercado estava aquecido, parece não haver mais dúvida hoje”, afirma Janaína Feijó, pesquisadora da área de economia aplicada do FGV/Ibre.

BENEFÍCIO

Isabelle Paes, de 25 anos, contribuiu para essa onda observada no mercado de trabalho. Formada em rádio, TV e internet, trocou de emprego duas vezes desde o fim do ano passado. Na primeira agência em que trabalhou, de onde saiu em dezembro, entrou como estagiária e foi efetivada. Permaneceu contratada por quatro anos. “Mas havia uma falta de reconhecimento, de promoção salarial”, afirma.

Desse primeiro emprego, Isabelle se transferiu para outra agência, mas permaneceu apenas por quatro meses, até chegar ao atual. Um dos motivos que a desestimulou foi a cobrança de atividades que não diziam respeito ao seu trabalho. Ela se candidatou, então, a várias vagas. “Estava em dois processos seletivos quando aceitei a vaga do meu atual emprego. O salário das outras propostas era mais baixo e os benefícios também”, afirma Isabelle.

“Uma das agências, por exemplo, era na Vila Olímpia (zona sul da capital) e oferecia vale-refeição de R$ 20. Não dá para comer com R$ 20. A alimentação está cara, ainda mais se você quer ter uma alimentação saudável. Isso pesou bastante. A minha agência hoje é na mesma região, mas o benefício é melhor.”

Ana Guimarães, de 33 anos, trocou de emprego em maio. Hoje, trabalha na área de eventos corporativos numa farmacêutica, sediada em São Paulo.

Antes, teve uma rápida passagem por um hospital. Permaneceu um ano e seis meses na empresa – o que ela considera pouco, uma vez que tinha ficado sete anos na vaga que ocupou antes. Mudar de emprego não foi uma decisão fácil, mas ela diz que queria achar um lugar onde pudesse se desenvolver profissionalmente. “Ficaria se pudesse, mas não sabia quanto precisava me esforçar para chegar a algum lugar. Então fiquei atenta, até aparecer algo.”

“Migrar de empresa foi uma opção que entendi que era melhor em termos tanto de remuneração quanto de crescimento profissional”, diz Ana. O último ponto foi o mais impactante. Segundo ela, a falta de um plano de carreira na empresa pesou mais que aspectos positivos, como uma equipe acolhedora e projetos estimulantes. Agora, está satisfeita. “Tenho muita oportunidade de aprendizado, atualização, e isso na área de eventos é muito importante.”

Wellington Melo, do Rio de Janeiro, atuou no comércio, como vendedor, por 11 anos – desde os 18, ele saía de casa seis vezes por semana, incluindo feriados, para trabalhar. Foi em 2024 que ele tomou a decisão que aguardava havia muito tempo: saiu do antigo emprego e mudou de área. Hoje, Wellington é assessor de uma pequena empresa, com 6 funcionários. “Continuo conseguindo pagar as contas, e agora tenho o final de semana livre.” •

“Era melhor em termos tanto de remuneração quanto de crescimento profissional”
Ana Guimarães Profissional de eventos

“Estava em dois processos seletivos quando aceitei a vaga do meu atual emprego. O salário das outras propostas era mais baixo”
Isabelle Paes Profissional de comunicação

 

Quase 90% das categorias conseguem reajuste salarial superior ao INPC

Um mercado de trabalho aquecido também tem se refletido em ganhos salariais para os trabalhadores. As negociações salariais têm sido amplamente favoráveis para os profissionais. Em 12 meses até julho, 87,4% das negociações superaram o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de acordo com o Salariômetro, elaborado pela Fipe.

Apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o INPC mede a inflação para as famílias com renda de até cinco salários mínimos e serve de base para os sindicatos na hora da negociação.

“São duas coisas que se juntam para favorecer a posição dos trabalhadores neste momento. Primeiro, é a inflação baixa para o padrão brasileiro e, segundo, é o nível de atividade, que beneficia os trabalhadores”, afirma Hélio Zylbersztajn, professor sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo. “As empresas precisam aumentar o salário para tentar reter os trabalhadores.”

‘MIMOS’

Num cenário de baixo desemprego, uma fatia relevante dos brasileiros viu o seu poder de barganha aumentar no mercado de trabalho. Profissionais de diversas áreas estão trocando de empresas e conseguindo aumentos salariais acima da inflação. Essa combinação dá ao trabalhador uma força raramente observada e que tem levado as empresas a adotarem diferentes estratégias para evitar a fuga da mão de obra.

Na luta para segurar os profissionais, as empresas instituíram uma série de benefícios. Reforçaram treinamentos, mantiveram o home office – mesmo com o fim da pandemia de covid –, passaram a recompensar os melhores empregados com ações das companhias e até incluíram a hormonioterapia no cardápio de benefícios de saúde.

No Brasil, a troca de trabalho sempre foi elevada. E é pró-cíclica. Ou seja, aumenta nos momentos em que o emprego está forte – como é o cenário atual.

A elevada rotatividade dos profissionais resulta num custo em diversas dimensões. Para as empresas, significa que anos de conhecimentos sobre a rotina da companhia foram embora no momento do desligamento do trabalhador. Numa ótica mais ampla, a economia brasileira perde em produtividade. “Quem procura emprego está conseguindo se alocar. E isso está associado a essa alta taxa de rotatividade”, diz Lucas Assis, economista da consultoria Tendências.

Nessas circunstâncias, as empresas passaram a “mimar” os funcionários, com pacotes de benefícios que incluem receitas mais tradicionais, como participação acionária, bônus e previdência privada mais robusta, e estratégias individuais que privilegiam a saúde mental e a flexibilidade do trabalhador.

O diretor da empresa de recrutamento Robert Half, Lucas Nogueira, destaca que uma pesquisa concluída em setembro pela companhia mostrou o quanto essa estratégia é importante para os trabalhadores: 57% das pessoas entrevistadas disseram valorizar mais um bom pacote de benefício do que o salário em si. “Hoje os profissionais buscam um plano de desenvolvimento profissional, ambiente de trabalho saudável, flexibilidade e melhores benefícios, sobretudo aqueles voltados para o bem-estar.” •

Prioridades
Pesquisa mostra que 57% dos entrevistados valorizam mais os benefícios do que o salário

 

Matéria – O estado de São Paulo – 27.10.2024
link: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20241027

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