Para analistas, País ganha com desglobalização

Para analistas, País ganha com desglobalização

Embora especialistas vejam uma janela de oportunidades para o Brasil, eles apontam a necessidade de renovação da indústria

“A América Latina ficou de fora das cadeias globais. Não se integrou o suficiente para ganhar no comércio. Quem ganhou? Os países asiáticos”
Uallace Moreira Lima
Secretário Nacional de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços

 

“O Brasil tentou, durante muitos anos, criar uma base industrial. O grande problema é que essa continuidade gerou ineficiência”
Welber Barral
Advogado

 

Há pouco tempo, o fenômeno da globalização parecia irreversível no comércio internacional. Fatores como a pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia e a escalada de tensões entre Estados Unidos e China, porém, trouxeram desafios que colocaram em xeque o modelo de produção descentralizada. Hoje, diversos novos elementos apontam para um cenário de desglobalização, com a busca de novas rotas comerciais tendo como base não a produtividade, mas as relações entre os países e a segurança nas cadeias de produção.

“A América Latina ficou de fora das cadeias globais. Não se integrou o suficiente para ganhar no comércio. Quem ganhou? Os países asiáticos”, afirma Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento

Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, no vodcast Dois Pontos, citando a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Quando chega a crise de 2008, antes mesmo da covid-19, você começa a ter indícios de que os países começam a se voltar para políticas de fortalecimento das suas cadeias produtivas”, acrescenta.

“O grande risco veio com a pandemia e a dependência enorme de insumos da China”, acrescenta Welber Barral, consultor de comércio internacional, mestre em Relações Internacionais e PhD em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), que também participou do Dois Pontos. “Naquele momento, quem tinha respiradores era a China. Depois, a partir daí, (os países) começaram a usar vários mecanismos de incentivo para trazer as indústrias de volta, em várias outras áreas.”

CENÁRIO BRASILEIRO

Os embargos das principais potências do Ocidente à Rússia, por exemplo, fizeram com que a corrente de comércio do país com o Brasil aumentasse em 170% de 2020 para cá. Um estudo da consultoria Roland Berger – com base em números do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) –, por sua vez, estima que a atração de empresas para o Brasil por meio do chamado nearshoring, ou produção mais próxima, pode adicionar US$ 8 bilhões (R$ 45 bilhões) ao ano em exportação.

“O Brasil precisa buscar hoje um processo de retomada da política industrial. É isso que o governo do presidente Lula, com o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, vem fazendo com a Nova Indústria Brasil”, diz Moreira Lima. “Se pegarmos os dados da balança comercial, vocês podem observar que, toda vez que o Brasil cresce, há um aumento das importações. Porque a gente tem deficiência na nossa estrutura produtiva. A desindustrialização é um fato concreto”, acrescenta.

No mesmo sentido, Barral aponta que o desafio do País hoje é repensar sua política industrial. “O Brasil, depois dos anos 1950, começou a política de substituição de importações. E tentou, durante muitos anos, criar uma base industrial. O grande problema é que essa continuidade gerou ineficiência. Até pela necessidade de uma integração na cadeia global de valor, da qual o Brasil não participou ativamente, assim como outros países latino-americanos também não”, analisa.

AMBIENTE

Os especialistas veem um cenário de oportunidade global para o Brasil na questão da transição energética. Para Moreira Lima, o Brasil tem abertura tanto na Europa como nos EUA e na China. “Não há nenhum país no mundo (tão) competitivo como o Brasil nisso. Precisamos atrair esses investimentos, mas existe um risco: se não tivermos cuidado de esse ser um processo de internalização de cadeia produtiva, a gente corre o sério risco apenas de produzir para servir países sem se desenvolver, importando todo o maquinário.”

Jornal – O Estado de São Paulo – 25.07.2024
fonte: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20240725/281990382774349/textview