China e Argentina mitigam tarifaço

China e Argentina foram fundamentais para sustentar a balança comercial brasileira diante da queda de 18,5% na exportação para os EUA em agosto, primeiro mês de vigência do tarifaço de 50% – o maior do mundo, ao lado da Índia. Os chineses compraram 31% a mais do que em agosto do ano passado, principalmente soja que deixaram de importar dos EUA – possível estratégia chinesa na negociação com os americanos. Já os argentinos adquiriram 40,4% mais, especialmente automóveis, fruto de melhora na economia local. Tem sido mais fácil para o Brasil achar mercados para alimentos do que redirecionar ferro, aço e maquinário. O superávit na balança em agosto foi de 3,9% em relação a 2024.
O crescimento das exportações brasileiras para a China e a Argentina, em agosto, ajudou a compensar a queda nas vendas para os Estados Unidos, afetadas pelo duro tarifaço imposto pelo presidente americano Donald Trump.
No mês passado, as exportações brasileiras para os EUA recuaram 18,5% na comparação com agosto de 2024 e somaram US$ 2,762 bilhões, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Na contramão, as exportações para a China aumentaram 31% (US$ 9,494 bilhões) e para a Argentina subiram 40,4% (US$ 1,642 bilhão).
O avanço das exportações para os chineses e argentinos contribuiu para o resultado positivo da balança comercial de agosto. Ao todo, as vendas brasileiras somaram US$ 29,861 bilhões, o que representou um crescimento de 3,9% na comparação com 2024 e ajudou o Brasil a colher um superávit de US$ 6,133 bilhões.
Exportações cresceram 31% (US$ 9,4 bi) para a China e 40,4% (US$ 1,6 bi) para a Argentina
“No início de julho, foi anunciada a tarifa adicional de 40%. Houve um movimento de antecipar ( as exportações) porque a tarifa só valeria em agosto. Em julho, as exportações para os EUA subiram. Esse movimento de antecipação ocorreu, principalmente, com aeronaves, suco, produtos de ferro e aço”, afirma Júlia Marasca, economista do banco Itaú. “Em agosto, quando passa a valer a tarifa, houve a queda das exportações para os EUA. E foi bastante difusa entre os bens exportados para lá.”
Historicamente, os EUA, a China e a Argentina estão entre os principais destinos das exportações do Brasil. Juntos, os três países responderam por quase metade das vendas brasileiras.
É preciso abrir a economia, mas com cautela
Claudio Adilson Gonçalez Economista e diretor-presidente da Vértice Macroeconomia, foi cofundador da MCM Consultores, consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda
Em meu artigo Protecionismo é uma praga: fácil pegar, difícil curar ( Estadão, 18/8) argumentei que a política protecionista de Donald Trump, que está desorganizando o comércio internacional, pode durar mesmo após o fim de seu mandato, com consequências danosas para o crescimento econômico não só dos Estados Unidos, mas também da economia global.
Hoje volto ao tema, mas para alertar que a simples abertura não é uma condição suficiente, embora muitas vezes seja necessária para o crescimento econômico. Além disso, advirto que propostas de abertura unilateral e rápida podem ser até mesmo danosas.
Recente trabalho denominado (em tradução livre) Abertura e Crescimento: uma Comparação das Experiências da China e do México, publicado pelo Federal Reserve Bank of Minneapolis, de autoria de Timothy J. Kehoe e Xing Xu, ambos da Universidade de Minnesota, traz importantes evidências e argumentos do que foi dito no parágrafo anterior.
O primeiro ponto destacado pelos autores é que, conforme trabalho empírico realizado pelo Banco Mundial, utilizando a relação exportação/PIB para dezenas de países, constatouse que a correlação entre aber
Abertura comercial pode elevar crescimento econômico, mas precisa ser cuidadosa e com mudanças estruturais
tura e taxa de crescimento econômico é sutil, tendo sido positiva, mas pequena, no período de 1986 a 2005, e negativa de 2006 a 2019.
O segundo ponto é uma interessante comparação entre os casos da China e do México.
Ambos abriram suas economias mais ou menos simultaneamente, mas, ao contrário do México, a participação das exportações no PIB chinês foi cadente depois da crise de 2008. De 1992 até 2024, o PIB por trabalhador da China, ajustado pela Paridade do Poder de Compra (PPC), subiu de US$ 2,5 mil para US$ 33 mil; no México, manteve-se constante ao redor de US$ 30 mil, ou seja, não houve nenhum ganho de produtividade da mão de obra. Vários fatores explicam essa diferença.
A industrialização chinesa, induzida pela abertura, beneficiou-se fortemente da transferência da população rural para os centros urbanos, o que favoreceu o aumento da produtividade. Em 1992, 60% da mão de obra chinesa era rural; em 2023, essa parcela caiu para 20%. O México já estava urbanizado em 1992.
Diferentemente do México, a China investiu pesadamente em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, o que provocou profunda alteração na composição de suas exportações, reduzindo a participação de bens de consumo intensivos em mão de obra barata e aumentando a de produtos de alta tecnologia e maior valor agregado.
Essas constatações servem como advertência às propostas simplistas de abertura unilateral e rápida da economia brasileira. Sim, a abertura comercial pode elevar o crescimento econômico, mas para isso precisa ser cuidadosa e acompanhada por mudanças estruturais que potencializem seus efeitos positivos sobre a produtividade, especialmente da indústria.
FONTE: www.estadao.com.br