‘EUA estão à beira da recessão, com economia fraca e emprego parado’

O economista-chefe da Moody’s Analytics, Mark Zandi, não ficou aliviado com a retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no segundo trimestre. “A economia está à beira da recessão”, disse ele, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Zandi diz que setores como indústria, agricultura e construção já estão em território de contração em meio ao tarifaço – e que, quando o cenário estiver mais definido, os consumidores arcarão com dois terços do impacto das tarifas.
Frequentemente, Zandi é chamado para apresentar as perspectivas econômicas ao Congresso. Quando a Moody’s Ratings rebaixou a nota soberana dos EUA em maio, foi ele o alvo da ira da Casa Branca.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Os produtores estão absorvendo os custos tarifários? Sim, até agora 60% das tarifas estão sendo absorvidas pelas empresas americanas na forma de menores lucratividade e margens; 20%, pelos produtores estrangeiros; e cerca de 20%, pelos consumidores. Isso vai mudar daqui para frente. No fim das contas, digamos daqui a um ano, dois terços dos aumentos tarifários serão arcados pelos consumidores dos EUA; outros 20%, pelos produtores ou empresas dos EUA; e os 15% restantes, pelos produtores estrangeiros.
Quando isso acontecerá? Os consumidores já estão sentindo, mas o impacto na inflação dos preços ao consumidor estará em seu ápice no segundo trimestre de 2026. O deflator de despesas do consumidor ( índice de preços de gastos com consumo, PCE), medida de inflação que o banco central ( Fed) usa para definir sua meta de inflação, estará próximo de 3,5% ano a ano no segundo trimestre de 2026. Isso está baseado na suposição de que a taxa efetiva de tarifa atingirá o pico de 15%.
Apesar disso, os mercados parecem confortáveis com os efeitos das tarifas na inflação, como evidenciado por recordes recentes do S&P 500. Por quê?
Há várias coisas acontecendo. Uma das mais importantes é a inteligência artificial. Pelo menos metade da alta no S&P 500 desde o início do ano está nessas ações, que operam em dinâmica diferente, não têm nada a ver com as tarifas. A segunda são os cortes de impostos que fizeram parte do “grande e belo projeto de lei”. Isso adiciona cerca de um quarto do aumento nos preços das ações desde o início do ano. Sobra o um quarto restante do aumento, e acho que isso é em grande parte especulação, espuma, impulso. Uma vez que fique claro que as tarifas e outras políticas econômicas, como a política de imigração, estão causando danos reais à economia, essa espuma sairá dessa especulação.
É razoável esperar entre dois e três cortes de juros do Fed neste ano?
Sim, porque, mesmo que a inflação vá acelerar, a economia está enfraquecendo, o crescimento do emprego está parando e os riscos de recessão são muito altos. O Fed está dando mais peso à economia e ao seu mandato de pleno emprego do que à inflação por duas razões. Primeiro, acredita que os aumentos tarifários representam um aumento único na inflação, que não será persistente. Não acho que devamos estar excessivamente confiantes sobre isso, mas essa é a visão. E, segundo, os dirigentes desesperadamente não querem entrar em recessão, no contexto das pressões políticas que enfrentam. Há muita pressão em relação à independência do Fed e há até um movimento no Congresso para aprovar legislação que mudaria o Federal Reserve Act de 1913 que proporciona essa independência.
O sr. chegou a dizer recentemente que os EUA estão à beira da recessão. O que o levou a dizer isso?
Por causa dos altos e baixos no comércio, dados os aumentos tarifários; o crescimento na primeira metade do ano foi de pouco mais de 1%, muito fraco. O consumo das famílias ficou estagnado. Manufatura, construção, mineração, agricultura, transporte, distribuição já estão em recessão. E, mais importante, o crescimento do emprego praticamente parou. Se os números de empregos se tornam negativos, historicamente, isso sempre foi o início da recessão.
Apesar da desaceleração do emprego, as demissões seguem baixas. Por quê? As empresas estão nervosas em demitir, dado o mercado de trabalho apertado. E elas demitiram durante a pandemia, e foram pegas de surpresa quando a economia voltou com força e tiveram de aumentar custos trabalhistas para trazer os trabalhadores de volta. Então, estão relutantes em demitir e ficarem em uma situação semelhante. O que fizeram, em vez disso, foi congelar contratações. Mas o próximo passo, se houver mais enfraquecimento na demanda do consumidor, é começar a demitir. E se eles demitirem, isso é recessão. Esse é outro motivo pelo qual é razoável pensar que a economia está à beira de uma recessão. •
“Até agora 60% das tarifas estão sendo absorvidas pelas empresas americanas na forma de menores lucratividade e margens. Isso vai mudar. No fim das contas, digamos daqui a um ano, dois terços dos aumentos tarifários serão arcados pelos consumidores dos EUA”
FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250821/page/31/textview