Indústria de transformação perde força nas exportações
“A agenda da inovação está sempre presente, mas os desafios são grandes. Não se muda uma estrutura da noite para o dia”
Desde o início do século, o Brasil passou por uma grande mudança na sua pauta de exportações, com os setores agropecuário e de indústria extrativa, centrados em commodities agrícolas e minerais, ganhando participação ao longo dos anos. Ao mesmo tempo, a indústria de transformação foi deixando de ser dominante, respondendo atualmente por 58% a 60%. A análise é de Lia Valls Pereira, professora da Uerj e pesquisadora associada da FGV.
Nos anos 90, o País aparecia nas estatísticas da Organização Mundial do Comércio (OMC) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos. Às vezes, entre os de automóveis. “Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante, em termos de participação, é o de produtos alimentícios.”
Lia será uma das participantes do “Fórum Estadão Think – Do Brasil para o mundo: desafios para a nossa inserção global”, uma realização do Estadão com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre amanhã, na Fiesp. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como a sra. analisa a posição da indústria brasileira no comércio exterior?
Ao analisar a participação dos diversos segmentos industriais nas exportações desde 2003, vemos uma grande mudança na composição da nossa pauta de exportação. Somando agropecuária com a indústria extrativa, juntas respondiam por 17,7% das exportações, enquanto a indústria de transformação tinha 82,3%. Hoje, 20 anos depois, as duas respondem por 46% e o setor de transformação, por 54%. A partir de 2009, vemos o boom das commodities, com o setor agropecuário crescendo em ritmo de dois dígitos, 10% a 12%, até chegar a 20% em 2020. A extrativa, impulsionada muito pelo petróleo, também cresceu bem. De dominante, a indústria de transformação passou a ter pouco mais de metade das exportações, 58% a 60%.
A que fatores a sra. atribui esse cenário?
O primeiro ponto a chamar a atenção é que o Brasil passou a aproveitar oportunidades. O País tem vantagem comparativa, obviamente, nos setores agropecuário e extrativo, que tiveram o benefício do grande demandante do mercado mundial, a China. O país passou a demandar esses recursos, e o Brasil respondeu. Mas, ao se olhar a participação nos fluxos de comércio, nos anos 90 o País aparecia nas estatísticas da OMC (Organização Mundial do Comércio) entre os 10 maiores exportadores siderúrgicos, às vezes, entre os de automóveis. Isso tudo não temos mais. Hoje, ao se olhar a indústria de transformação, o setor mais importante em termos de participação é o de produtos alimentícios, que sempre teve participação alta. Saiu de 22%, em 2003, e atingiu 34% no ano passado.
E quanto aos setores de produtos de maior valor agregado, como o de máquinas e equipamentos?
O setor industrial está sempre preocupado com os produtos de maior valor adicionado, como a fabricação de máquinas e equipamentos. Nunca teve uma participação alta, mas aí entram a questão da tecnologia, da competitividade. O último número, de 2023, é de 7,7%, que mostra queda em relação aos 8% de 2022.
Para a indústria, pode-se dizer que é uma questão de competitividade? Sabemos que há problema de inovação, apesar de haver ilhas de inovação, e temos de considerar que passamos por recessão mais profunda em 2014, 2015. Não é só uma questão de ter mais competitividade, há também capital humano, treinamento, tudo isso. Essa agenda no Brasil está sempre presente, mas os desafios são grandes, e no comércio exterior não se muda uma estrutura da noite para o dia. O País aproveitou os nichos em que tinha mais vantagem, principalmente em alimentos, e onde tinha mais competitividade, como commodities, agrícolas e metálicas. O grau de inovação tecnológica é muito rápido em manufatura.
Como fica com a reforma tributária?
A reforma ajuda, pois tem muita tributação embutida. O IVA (Imposto sobre Valor Agregado) vai tirar parte dessas distorções, mas isso não vai aparecer logo. Na questão da manufatura, a parte tributária não está totalmente resolvida, porém vai ser um avanço grande em relação ao que era. Muita coisa vai melhorar. Eles reclamam também dos juros, mas juro é uma questão macroeconômica. Outra coisa importante é a nova política industrial. Antigamente, se fazia muita política industrial na base de conceder subsídio. Isso no mundo está um pouco diferente. Os EUA têm o IRA (Inflation Reduction Act), que abriga novos setores. Europa e China, também. Os EUA estão preocupados em incentivar esses setores. O Brasil tem de pensar bem como vai lidar com isso, porque não tem o fôlego americano. Tem restrições fiscais, outras prioridades e toda uma agenda de questões de desigualdade.
Qual sua visão sobre as políticas de comércio exterior atuais e como o Brasil está inserido nisso?
O ambiente do comércio exterior, no mundo, está geopolitizado. O Brasil está numa situação de muita tensão e a nossa política externa é de tentar ser um ‘global trader’. Temos de comercializar com EUA, com a União Europeia, com a China, com quem quer que seja.
FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20241111/page/29/textview