‘Com a Selic em 15%, inflação fica acima da meta’

O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, diz que a atividade econômica no País já começou a desacelerar, mas não abrupta nem fortemente, de forma que eliminou o viés de alta da projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2% em 2025. “Parece razoável com o carrego estatístico de 2024 e o agronegócio.”
Já para 2026, projeta avanço de 1%. Ao mesmo tempo, ele trabalha com a previsão de inflação de 6% este ano e expectativas se consolidando em patamar acima da meta, o que demanda ação do Banco Central. O Copom deve confirmar a indicação de elevação da Selic em 1 ponto porcentual amanhã, e, no comunicado, indicar que o cenário-base ainda sugere ajuste adicional. “Vai parecer estranho não sinalizar alta”, afirma Megale, que estima Selic de 15,5% ao final do ciclo, mas admite que a taxa básica pode parar de subir perto dos 15%. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast.
A queda de 0,2% dos serviços em janeiro, a terceira consecutiva, já consolida uma tendência de desaceleração da atividade?
Vimos indicadores de atividade econômica mais tranquilos no final do ano passado, o PIB do quarto trimestre e agora no começo do ano também. Não é uma reversão abrupta, não estamos falando em recessão. Não estamos falando nem em desaceleração forte da economia. Mas eu diria que a economia no quarto trimestre do ano passado e no primeiro deste ano está crescendo de forma mais moderada do que nos três primeiros trimestres do ano passado.
Isso tem a ver com a redução, por parte do governo, dos incentivos fiscais? Não tem a ver com fiscal porque, quando a gente olha os números fiscais e despesas neste primeiro trimestre, eles continuam crescendo a um ritmo importante, inclusive os benefícios e as transferências. Já é um pouco de política monetária porque as taxas de juros mais altas exercem algum efeito sobre a propensão a consumir, a tomar crédito. Depois de crescer fortemente em 2023 e nos primeiros três meses de 2024, é natural que tenha alguma acomodação.
Qual a sua previsão de crescimento do PIB neste ano? O nosso número é 2% de PIB para este ano. Há três semanas estávamos com 2% e com viés de alta porque achávamos que com a liberação do FGTS para quem tinha optado pelo saqueaniversário e com as perspectivas do consignado privado e de desoneração do Imposto de Renda, ainda que seja só para 2026, já teria alguma antecipação às expectativas. Mas, agora, com os dados do quarto trimestre mais fracos que o esperado, retiramos o viés e ficamos só com a projeção de 2%, que parece razoável com o carrego estatístico de 2024 e o agronegócio.
E para 2026, qual é a sua projeção para o PIB? Temos 1% de crescimento de PIB em 2026. Este ano a agropecuária vai ser mesmo muito forte e tem efeitos multiplicadores na economia, movimenta outros setores, gera renda e impulsiona consumo nas regiões ligadas ao agronegócio.
“Se a inflação fica acima da meta com 15%, o Copom não deveria sinalizar que vai parar com 14,25%. Acho que ele vai, de alguma forma, dizer o que vai fazer sem se comprometer com o ritmo, já que tem muitas incertezas”
Para 2026, será o oposto.
E sobre o IPCA de fevereiro, com alta de 1,31%?
A inflação deste primeiro bimestre tem de ser vista em conjunto, janeiro e fevereiro. Tivemos um fator de volatilidade particular, que foi a questão do bônus de Itaipu, que deixou (o índice de) janeiro muito baixo e fevereiro muito alto. As contas caíram em janeiro por causa do bônus e voltaram em fevereiro.
Ou seja, não era para ser tão baixo em janeiro nem tão alto em fevereiro?
É isso. Quem se arvorou e falou que janeiro foi o mais baixo durante muito tempo, ou estava mal informado ou mal intencionado, porque fevereiro tinha um fator ali que claramente ia trazer a inflação de volta. O que eles estão mostrando é que os detalhes da inflação continuam relativamente pressionados. Quando a gente tira aqueles itens mais voláteis, pega aquelas métricas que tentam captar a tendência subjacente da inflação, a gente percebe que ela vem rodando de 5% a 6% desde dezembro.
É a tendência da inflação daqui para frente?
A inflação é um indicador defasado, reflete o que aconteceu na economia há seis, sete, oito meses. É o reflexo do que aconteceu em 2024, quando a economia cresceu muito além do esperado, especialmente a demanda interna e a taxa de câmbio se desvalorizou fortemente.
O que espera da reunião do Copom esta semana?
Com a Selic contemplada no Focus, de 15%, a inflação fica acima da meta. Se a inflação fica acima da meta com 15%, o Copom não deveria sinalizar que vai parar com 14,25%. Ficaria estranho. Então eu acho que ele vai, de alguma forma, dizer o que vai fazer sem se comprometer com o ritmo, já que tem muitas incertezas.
Como deve ser o comunicado que se seguirá ao término da reunião?
É muito difícil que o Copom diga o que vai fazer na reunião de maio e muito menos qual vai ser o ponto final da Selic. Eu acho que vai continuar dizendo que o tamanho do ciclo vai depender do firme propósito de trazer a inflação para a meta. Mas se o BC está com o firme propósito de trazer a inflação para a meta e as projeções dele sugerem que, com 15% de Selic, a inflação não vai para a meta, é estranho também ele dizer: “Olha, fizemos essa e para frente pode ser qualquer coisa”. Ele vai continuar dizendo que pelo menos mais algum “ajustezinho” vai haver depois desse ajuste desta quarta-feira.
FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250318/textview