Ações trabalhistas disparam e passam de 2 mi em 2024

Ações trabalhistas disparam e passam de 2 mi em 2024

É a primeira vez que esse patamar é ultrapassado desde a aprovação da reforma trabalhista, em 2017, e representa alta de 14,1% ante 2023. Valor pago pelas empresas nas sentenças também subiu.

O número de novas ações na Justiça do Trabalho superou o patamar de 2 milhões em 2024. É a primeira vez que a marca é atingida desde a aprovação da reforma trabalhista, em 2017, e também é um recorde de judicialização na área trabalhista no período pós-reforma.

O volume de novos processos totalizou 2.117.545 no ano passado, alta de 14,1% ante 2023. Até então, a série histórica mostrava queda nas ações após a aprovação da reforma trabalhista, que trouxe medidas validando acordos diretos entre empresas e empregados, mas os processos voltaram a crescer. Também aumentou o valor pago pelas empresas nas sentenças: R$ 48,7 bilhões, crescimento de 18% em um ano ( mais informações na pág. B2).

Segundo Rogério Neiva, juiz do Trabalho, ex-auxiliar da vice-presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e especialista em métodos de conciliação, o aumento de ações tem a ver com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de outubro de 2021, que facilitou o acesso gratuito à Justiça.

A chamada Justiça gratuita é concedida a pessoas que não têm condições de pagar pelas custas do processo e que precisam de auxílio profissional. A reforma trabalhista havia imposto novas regras. Se o autor da ação perdesse o processo, ele teria de pagar os honorários periciais e os advogados da outra parte, mesmo que tivesse direito à gratuidade da Justiça. O Supremo invalidou essa regra.

“É possível considerar que a decisão do STF é um fator que influencie e explique esse movimento. Essa é uma questão relevante porque o custo é zero”, diz Neiva. “Hoje, podemos afirmar que a situação voltou ao cenário anterior à reforma trabalhista de almoço grátis.” Questionado sobre o acúmulo de processos, o STF não se pronunciou.

Outro fator, segundo o magistrado, que tem estimulado mais pessoas a entrar com reclamações trabalhistas é a condição criada para comprovar a renda. “Na Justiça estadual ( em processos não trabalhistas), se você entra com ação e fala que é pobre e não tem condição de pagar as custas do processo, é você que tem de provar que é pobre. Na Justiça do Trabalho, não; é a outra parte que tem de provar que você não é.”

O TST diz que o aumento dos processos se deve “à alta rotatividade nas contratações e demissões agravadas pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas.” Ou seja, mais pessoas pedindo demissão, sendo demitidas e trocando de empresa, além do não pagamento dos direitos por parte das empresas, o que exigiria intervenção da Justiça. Neiva contesta: os desligamentos registrados na base do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) indicam aumento de 9,3% nas demissões em 2024, enquanto a alta das ações trabalhistas foi de 14,1% no mesmo período. •

Para o TST, aumento de demissões e não pagamento de obrigações agravam situação

Além do avanço do número de ações trabalhistas no ano passado, aumentou também o valor pago pelas empresas nas sentenças. Foram R$ 48,7 bilhões, um crescimento de 18% em relação ao ano anterior, quando o total foi de R$ 41,3 bilhões. Houve crescimento tanto nos valores pagos após decisão da Justiça quanto nos acordos feitos entre as partes.

“Parte disso pode ser explicado por um movimento muito forte dentro da Justiça para execução de decisões, ferramentas de investigação de apropriação patrimonial, identificação de bens ocultados e de laranjas”, diz o juiz de Trabalho Rogério Neiva. “A Justiça do Trabalho está botando para quebrar em cima da turma que não paga condenação.”

A Justiça do Trabalho ainda não divulgou o relatório final dos processos em 2024. No ano anterior, quando também houve aumento das ações, os tribunais identificaram que os assuntos mais recorrentes nos processos foram multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), adicional de insalubridade, verbas rescisórias, multa adicional por demissão e horas extras.

Procurado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) afirmou que tem desenvolvido e dado ênfase à cultura de conciliação e resolução de precedentes para diminuir o volume de processos. “No âmbito da conciliação, proporcionou, através dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos (Cejuscs), somente em 2023, a realização de acordos no valor total de mais de R$ 7 bilhões, com recolhimentos previdenciários acima de R$ 1 bilhão”, disse o tribunal.

A Corte trabalhista declarou ainda que os chamados Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos (IRR) e os Incidentes de Assunção de Competência (IAC), que organizam o entendimento da Justiça do Trabalho para vários processos, “trarão decisões qualificadas, de cunho obrigatório, a garantir a estabilidade e a segurança jurídica”.

‘ATIVISMO JUDICIAL’. Há diferentes interpretações sobre os motivos que movimentam a Justiça do Trabalho. Estudo do sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, identificou “ativismo judicial”, citando casos concretos em que o Judiciário deu decisões contrárias à reforma trabalhista, conforme noticiado pelo Estadão em novembro passado.

O ativismo aconteceria quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação. No estudo, a prática foi identificada em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização e horas extras . “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, disse Pastore, na ocasião. A fala chegou a ser rebatida pelo presidente do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, que afirmou que os magistrados “não passam por cima de leis”.

Para Neiva, o ativismo não é a explicação. “É irresponsabilidade afirmar que a Justiça do Trabalho é contra ou a favor da reforma. Pode ter juízes próempresas ou pró-trabalhador, como tem na Justiça estadual no caso de consumidores, por exemplo; mas, no mundo real, não é assim que funciona”, diz. “Se há ativismo judicial, está no Supremo, que mudou a regra; não na Justiça do Trabalho.”

SUPREMO. Ao abrir o ano judiciário, no último dia 3, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução para desafogar a Justiça do Trabalho. A norma prevê que, se no ato da demissão, o empregador e o empregado estiverem de acordo e acompanhados de advogados a rescisão poderá ser homologada pela Justiça e os dois ficam proibidos de entrar com processo. “Muitas vezes o excesso de reclamação trabalhista também é um desincentivo ao investimento”, disse Barroso.

O Supremo enfrenta outras questões que movimentam a Justiça do Trabalho e tocam em pontos da reforma trabalhista. No ano passado, o ministro Flávio Dino defendeu uma revisão do entendimento sobre a terceirização. Além disso, a Corte começou a julgar processos que reconhecem o vínculo trabalhista de empregados de aplicativos e que obrigam plataformas como Uber e iFood a assinar a carteira de motoristas e entregadores. •

Atualmente, STF discute a validade de vínculo trabalhista de empregados de aplicativos.

FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250210/textview

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