‘Vejo condição zero de queda da Selic’, diz economista.

‘Vejo condição zero de queda da Selic’, diz economista.

Economista avalia como correta última decisão do Banco Central, que reduziu ritmo de corte da Selic

Ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da FGV

‘O Banco Central tem muita dificuldade para exercer o mínimo de controle sobre as expectativas. (…) Tem a ver com questões fiscais e com a mudança de comando na própria autarquia”

José Júlio Senna avalia que o BC brasileiro não conseguirá dar sequência ao ciclo de queda da taxa básica de juros no curto prazo. Neste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para 10,50% ao ano, e interrompeu um ciclo de seis cortes consecutivos de 0,50 ponto porcentual. “No quadro atual e dado o diagnóstico apresentado pelo BC em caráter unânime no comunicado, mas principalmente na ata, eu vejo condição zero de o juro no Brasil continuar caindo”, diz.

Na tarde de hoje, o Centro de Estudos Monetários promove o 10.º Seminário Anual de Política Monetária. Além de debater o cenário internacional e local, o evento será uma homenagem a Affonso Celso Pastore, que presidiu o Banco Central na década de 1980 e morreu em fevereiro, aos 84 anos. A seguir, os principais trechos da entrevista de Senna.

Qual a leitura que o sr. faz da última decisão do Copom?

Destacaria a enorme importância de uma ação rápida do Banco Central. Desde o começo do ano, diversas variáveis macroeconômicas externas e domésticas vinham apresentando uma deterioração importante. Num certo sentido, lamentavelmente, no mundo, começou-se a perguntar coisas do seguinte tipo: será que a inflação parou de cair? A coisa já não estava andando bem, quando aconteceu a revisão das metas fiscais aqui no Brasil e o quadro referente à perspectiva de queda de juros nos Estados Unidos se agravou. Na época, inclusive, a temperatura no Oriente Médio estava em alta. Houve um choque importante no dólar e nos mercados internacionais. E, no Brasil, por motivos internos e externos, a taxa de câmbio estava mostrando uma depreciação rápida. Estamos falando de meados de abril. E foi ali que o presidente (do BC, Roberto Campos Neto) deu um sinal de mudança da orientação (no mês passado, num evento em Nova York, Campos Neto havia indicado redução do ritmo de cortes).

E qual é a avaliação do sr. sobre essa mudança?

O que o presidente do Banco Central do Brasil fez foi exatamente o que o presidente do banco central americano deveria ter feito há muito tempo nos EUA. Ou seja, expor-se mais e revelar uma postura mais contundente e firme de prioridade para o combate à inflação, para a convergência da inflação para a meta. Na minha opinião, a resposta do BC foi muito oportuna, em cima do laço e tinha de ser feita. Sobre as questões internas, eu não tenho condições de opinar. Eu diria que a decisão foi correta. Era fundamental um sinal forte naquele momento, e esse sinal foi dado.

As expectativas de inflação no Brasil estão piorando. O que esperar daqui para frente?

No quadro atual e dado o diagnóstico apresentado pelo Banco Central em caráter unânime no comunicado, mas principalmente na ata, eu vejo condição zero de o juro no Brasil continuar caindo, especialmente no curto prazo. Mais adiante, muita água vai passar debaixo da ponte e a gente não sabe o que vai acontecer. Mas, de pronto, não vejo motivo objetivo que justifique dar continuidade ao ritmo de queda de juros. Agora, tudo isso nós vamos debater no 10.º Seminário Anual de Política Monetária.

O encontro fará uma homenagem a Pastore. Qual é a expectativa do sr. para o evento?

Teremos uma abertura do presidente do BC. E haverá um primeiro bloco no qual os economistas falarão sobre a história e o legado do Pastore. Ele manteve, ao longo de sua vida, vínculos muito próximos com a Fundação Getulio Vargas e com o Ibre, em particular. O Pastore participou dos nove seminários anteriores. Foi coordenador desde o começo do Codace, que é o Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos. Também

foi professor da EPGE. Ele sempre manteve vínculos afetivos e profissionais com a fundação, de modo geral. Esse décimo seminário é uma homenagem a ele. E o que cabe destacar é que é uma homenagem conjunta. São duas instituições envolvidas nessa homenagem: o Ibre e o Banco Central. Todos os participantes desse evento nutriam e nutrem uma grande admiração por ele. No primeiro bloco, teremos o Samuel Pessôa, o Marcos Lisboa e a Zeina Latif tratando da história e do legado do Pastore. Antes de passar para o debate, que será no segundo bloco, teremos o depoimento do Paulo Picchetti, que conviveu com o Pastore no Codace e hoje é diretor do BC. No debate, a ideia é ter a abertura feita pelo Afonso Bevilaqua, diretor executivo do Fundo Monetário Internacional. E no debate propriamente, teremos o Mario Mesquita, o Eduardo Loyo e eu.

E as questões sobre o Brasil, quais devem ser levantadas?

Há o problema da desancoragem das expectativas. É até possível, eu diria, levar a inflação para a meta com as expectativas desancoradas, mas o custo é muito alto e não há garantia de que o Banco Central consiga manter a inflação na meta. É fundamental que se criem condições para a inflação permanecer na meta e, com as expectativas desancoradas, isso se torna uma coisa muito difícil. E um dos pontos-chave é que, hoje, o Banco Central tem muita dificuldade para exercer o mínimo de controle sobre as expectativas, porque, aparentemente, essa desancoragem tem a ver com outros fatores, e não propriamente com a política monetária. Tem a ver com questões fiscais e com a mudança de comando no Banco Central, por exemplo.

Fonte: O Estado de São Paulo – 24.05.2024
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