Reindustrialização míope

Reindustrialização míope

A produtividade da indústria que transforma matéria-prima em bens de capital e bens de consumo desaba no País, enquanto governo mira no alvo errado da retomada do carro popular

O encolhimento qualitativo da indústria nacional ficou explicitado em estudo do Observatório da Produtividade, da FGV Ibre, que constatou queda em torno de 1% ao ano na produtividade da indústria de transformação ao longo das três últimas décadas. Como contraponto, o estudo verificou que, no mesmo período, a produtividade na agropecuária aumentou, em média, 5,5% ao ano.

Traduzida em cifras, a discrepância fica ainda mais evidente. Cada hora trabalhada na indústria de transformação em 1995 gerava R$ 45,50 em produtos, enquanto o mesmo saldo no ano passado foi de apenas R$ 36,50. Na agropecuária, os valores foram de R$ 5,90 e R$ 25,50, respectivamente. São números que refletem as diferenças, principalmente, do estágio tecnológico e do nível de preparo dos profissionais nos dois setores.

Se restava ainda alguma dúvida sobre a deterioração em quantidade, qualidade e eficiência de nossas linhas de produção industrial – algo que, ano a ano, trimestre a trimestre, vem sendo a tradução lastimável do monitoramento de indicadores econômicos –, o levantamento da FGV divulgado pelo Estadão acaba por dirimi-la. A indústria está minguando de forma contínua, com alguns sopros de recuperação que acabam invariavelmente por frustrar expectativas.

A compilação dos dados ocorre num momento em que os ecos do artigo do presidente Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin, Neoindustrialização para o Brasil que queremos, publicado no Estadão, mobilizam discussões sobre o tema. Um dos pontos para onde convergiram as principais críticas ao artigo – amplamente aclamado por trazer de volta ao foco a importância do crescimento industrial – foi justamente o de ter abordado apenas de forma tangencial a produtividade, que deveria estar no cerne de qualquer debate sobre a recuperação do setor.

O mundo inteiro assiste ao que os especialistas convencionaram chamar de 4.ª Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, termo mais adequado como referência de avanço tecnológico. Inteligência artificial, robótica, internet das coisas, armazenamento de dados em nuvem são a nova realidade do universo fabril, com potencial de transformação talvez maior do que a que representou o surgimento da informática, telecomunicações, robótica e outras inovações tecnológicas a partir da 2.ª Guerra.

O aprimoramento trazido por aquela “nova indústria” mudou as relações em um setor baseado, até então, em siderurgia, metalurgia e setor automotivo, matrizes que em diferentes épocas deram impulso ao capitalismo. No momento em que a Indústria 4.0 ganha forma no mundo, depurando relações comerciais entre países, o Brasil surge com a ultrapassada proposta de incentivos à indústria automobilística, até agora o único sinal enviado pelo governo em direção ao que os mandatários chamaram de “neoindustrialização”. Além de ultrapassada, trata-se de uma medida improvisada e caótica, que muda a cada dia conforme a percepção negativa que se tem sobre ela fica mais clara.

No início seria uma medida para baratear o carro popular, iniciativa cercada de um certo ar populista de criar a qualquer custo a impressão de ressurgimento de uma nova classe média consumista. O teto de R$ 120 mil para o valor dos automóveis, contudo, tirou o caráter “popular” da medida. O prazo, que já passou de quatro meses para um ano, deixa em aberto se a medida será de fato provisória ou permanente. Agora, a última “atualização” é que será dada prioridade a caminhões e ônibus, não mais aos carros.

A bagunça com que está sendo tocada a primeira iniciativa do governo para fazer da indústria “o fio condutor de uma política econômica voltada para a geração de renda e de empregos”, como disseram no artigo o presidente da República e seu vice, dá a ideia de uma política industrial sem rumo. Mas o mais grave é o fato de estarem mirando no alvo errado.

Para chegar ao modelo 4.0, ainda tão distante da nossa economia, a indústria terá de investir pesadamente em pesquisa e desenvolvimento e na qualificação e treinamento de sua mão de obra para melhorar sua produtividade. Talvez consiga, se a massacrante carga tributária, que em 2022 atingiu o recorde de 33,71%, for, enfim, aliviada.

FONTE: https://www.estadao.com.br/opiniao/reindustrializacao-miope/

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