Para economistas, plano de Lula para a indústria é ‘mais do mesmo’

Para economistas, plano de Lula para a indústria é ‘mais do mesmo’

Vodcast do ‘Estadão’ ‘Dois Pontos’ ouviu Cláudio Considera e Maurício Canêdo, que dizem que é preciso traçar metas claras

Recuperar o protagonismo da indústria nacional é uma das principais bandeiras do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O setor industrial, que sofre com perda de produtividade, baixo investimento em inovação e uma elevada carga tributária, viu sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) despencar nas últimas décadas: de aproximadamente 36%, em 1985, para apenas 12% em 2019.

A preocupação com o cenário foi externada por Lula e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que também acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em um artigo de opinião publicado pelo Estadão em maio de 2023. “Nos últimos anos, a indústria brasileira tem enfrentado dificuldades de crescimento, com uma participação cada vez menor no PIB. A desindustrialização precisa ser interrompida, para que geremos mais empregos de qualidade”, escreveram o presidente e o vice à época.

Depois de uma leve recuperação nos últimos anos, a indústria de transformação encerrou o ano passado com uma fatia de 15,3% no PIB brasileiro. E, em janeiro deste ano, o governo federal lançou o programa Nova Indústria Brasil: um pacote que reedita políticas de antigas gestões petistas e prevê R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios ao setor até 2026, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivo ao conteúdo local, com a exigência de compra de fornecedores brasileiros.

“É um plano que traz exemplos de coisas ruins que foram feitas no passado. Mais do mesmo”, avalia Cláudio Considera, coordenador do núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), que participou do vodcast Dois Pontos, do Estadão.

PRODUTIVIDADE

O economista explica que a redução da participação da indústria, dando espaço a outros setores como o agro ou serviços, é algo natural. Um movimento que também foi visto em outros países. No entanto, o Brasil sofre com um fator agravante: a perda de produtividade. “Esse é o maior problema. Hoje, a produtividade do País equivale a apenas 87% do que era no início dos anos 2000. Sem produtividade, você não consegue competir com as importações e sequer exportar para outros países.”

Para Maurício Canêdo, doutor em Economia pela FGV, que também participou do Dois Pontos, o custo Brasil é um dos principais causadores da perda de produtividade no País. “Produzir no Brasil é muito caro. Afeta todos os setores, mas afeta especialmente a indústria. Você pode comprar um artigo eletrônico daqui, do Japão, da Coreia. Mas um corte de cabelo, por exemplo, que é um serviço, só dá para fazer na sua própria região. O setor industrial compete naturalmente com outros países e, por isso, é tão afetado.”

O Nova Indústria Brasil é focado em seis áreas específicas, que possuem metas de entrega para um horizonte de dez anos. São elas: cadeias agroindustriais; saúde; bem-estar das pessoas nas cidades; transformar digitalmente; bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energética; e defesa.

Desde a concepção, o plano recebeu críticas, que foram rebatidas pelo governo. “Eu quero perguntar a esses que escrevem todos os dias dizendo que estamos trazendo medidas antigas: me expliquem a China? Por que a China é o país que mais cresceu no mundo nos últimos 40 anos? Me explique a política econômica americana. Já são dois trilhões na década em subsídio, incentivo e investimento público para atrair empresas”, afirmou Aloísio Mercadante, presidente do BNDES, após o lançamento do programa.

“O desenho das nossas políticas industriais normalmente é muito ruim”, opina Canêdo. “Medidas que implicam algum tipo de proteção ou subsídio têm de ter data para terminar. Você desenvolve o setor, o torna competitivo e, então, retira aquele incentivo. Não aprendemos com nossos próprios erros. Nós falamos, por exemplo, sobre política de apoio à indústria automotiva desde a década de 1950. Já era para ter acabado.”

No evento, o presidente Lula afirmou que os R$ 300 bilhões são um “alento” para a indústria “dar um salto de qualidade”. Mas especialistas acreditam que é preciso traçar metas claras em todos os setores contemplados.

 

Matéria – O Estado de São Paulo 28.06.2024
Fonte:https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20240628/page/38/textview