O ocaso da indústria e de suas lideranças

O ocaso da indústria e de suas lideranças

Transformar a indústria no fio condutor da política econômica voltada para a geração de renda e de empregos mais intensivos em conhecimento. Esta foi a meta anunciada pelo presidente Lula e pelo vicepresidente Geraldo Alckmin no artigo Neoindustrialização para o Brasil que queremos, publicado no Estadão há cerca de seis meses. Desde então, o governo realizou, em julho, a primeira reunião em sete anos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial e anunciou, em agosto, seu novo Plano de Aceleração do Crescimento. Estímulos financeiros para a indústria foram estimados em R$ 106,2 bilhões em quatro anos. Recursos para investimentos em renovação de máquinas e equipamentos e em modernização tecnológica poderão ser proporcionados pelo programa de depreciação acelerada (antecipação do abatimento de tributos na compra de bens de capital), que o governo promete colocar em operação no próximo ano.

O governo tem tomado a iniciativa neste processo. Houve tempo em que lideranças esclarecidas do setor industrial desempenhavam papel essencial na definição de políticas de crescimento. Empresários industriais com visão de futuro parecem raros hoje em dia. O caso da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) talvez forneça alguma explicação para o que pode ter ocorrido.

Depois de quase 18 anos dirigida por um político mais interessado em conquistar votos, em sucessivas e fracassadas campanhas eleitorais, do que em defender o setor que dizia representar, a Fiesp vem tentando, desde o ano passado, recuperar o papel que teve em outros momentos. Em diversos pronunciamentos, seu atual presidente, Josué Gomes da Silva, tem enfatizado que qualquer estratégia sustentável para o desenvolvimento brasileiro exige a reversão do processo de desindustrialização. Em 1985, a participação do valor adicionado da indústria de transformação no total da economia ultrapassava 35%. Atualmente, está em 12%.

A representação da indústria diante do poder público e da sociedade não foi nem é homogênea nem linear. Em 1969, no período mais sombrio da ditadura militar, um candidato a diretor da Fiesp teria ajudado materialmente na montagem da Operação Bandeirante (Oban), órgão de repressão política formado por militares, civis e policiais (a Oban deu origem aos Destacamentos de Operações de Informações – Centros de Operações de Defesa Interna, conhecidos como DOI-Codi). A denúncia está no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. A Fiesp também é citada no relatório como tendo arrecadado recursos para a manutenção dessa estrutura.

Mas o empresariado industrial está longe de ter sido unanimemente conivente com a ditadura e seus métodos. Em 1978, um grupo seleto de industriais divulgou um documento em que defendia o fortalecimento do setor e manifestava sua “concepção sobre os rumos do desenvolvimento econômico, fundado na justiça social e amparado por instituições políticas democráticas”. Os autores do documento estavam convencidos de que “estes são, no essencial, os anseios mais gerais da sociedade brasileira”.

“O desenvolvimento econômico e social, tal como o concebemos, somente será possível dentro de um marco político que permita uma ampla participação de todos”, acrescentavam os industriais, que defendiam o restabelecimento da democracia. Essa iniciativa deu mais impulso à abertura política, já estimulada por movimentos em favor da anistia e pelo fim da ditadura.

Assinavam o documento Antônio Ermírio de Moraes, Claudio Bardella, Jorge Gerdau, José Mindlin, Laerte Setubal Filho, Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Gomes. A morte de Bardella, há algumas semanas, trouxe à lembrança dos que viveram aqueles tempos difíceis a importância que, por sua voz e sua coragem, representantes da indústria já tiveram no cenário político e econômico.

Nos últimos anos, o enfraquecimento das formas tradicionais de representação do empresariado, e também de outros segmentos da sociedade, resultou no enfraquecimento e até na demonização de muitas políticas de desenvolvimento e de proteção social. E propiciou o surgimento de outras vozes para representar novos setores.

Talvez por comodidade, dada a facilidade com que lidam com estatísticas e dados econômicos, a partir dos quais rapidamente constroem cenários de aparência sólida, economistas e analistas de instituições financeiras tornaramse as principais fontes do jornalismo econômico. São capazes de projetar com rapidez o déficit público de dois a três anos adiante e, assim, demonstrar a absoluta inviabilidade das políticas fiscais de um governo de que desgostam. Felizmente, têm errado mais do que acertado.

Se novas vozes, poderosas e respeitadas, surgirem para recolocar o crescimento e a geração de renda e de empregos de qualidade no centro das preocupações das pessoas responsáveis, o percurso para o futuro pode ser menos árduo. •

Com novas vozes para recolocar o crescimento e a geração de renda e empregos de qualidade no centro das preocupações das pessoas responsáveis, o percurso para o futuro pode ser menos árduo.

FONTE: https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20231121/page/4/textview